É professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às sextas.
Luzes, enfim
Uma das propostas do partido grego Syriza, que venceu as eleições gregas neste domingo, consiste em religar a luz das casas que tiveram a eletricidade cortada por falta de pagamento. Só entre janeiro e setembro de 2013, 240 mil residências tiveram sua eletricidade cortada. Hoje, 1 milhão estão com a conta de luz atrasada, ou seja, 10% da população da Grécia.
Esta é uma bela metáfora do que pode significar a vitória do primeiro partido de esquerda radical na história a governar um país da Comunidade Europeia.
A dita racionalidade econômica aplicada na crise grega levou boa parte da população de volta à era das trevas, isto enquanto a banca internacional aplaudia as "reformas" implementadas pelo antigo governo conservador de Antonis Samaras com sua taxa de 25% de desemprego.
Pouco importa se as políticas de "austeridade" e de "responsabilidade fiscal" jogam a população no breu e na fome, desde que as obrigações das dívidas sejam todas corretamente pagas aos bancos internacionais –os mesmos que costumam extorquir seus países quando entram em rota de falência.
Syriza será a primeira expressão, na forma de um governo, de um radical sentimento de recusa a este capitalismo de espoliação e acumulação rentista.
É fruto de um movimento de indignação que apareceu a partir de 2009, que passou pela Primavera Árabe e pelos Occupy.
Trata-se de um partido que não tem nenhuma semelhança com os partidos tradicionais de esquerda. Não é por acaso que o Partido Comunista Grego os odeia.
Sua lógica não é dirigista, nem centralista. Ela é uma frente multipolar composta por múltiplos grupos, de ecologistas a trotskistas, maoístas, nacionalistas e sociais-democratas radicais.
Se há algo na história da esquerda próximo à vitória grega é a experiência chilena de Allende com sua frente de Unidade Popular.
Quarenta anos depois, a história de um socialismo democrático e transformador será jogada novamente. Dessa vez, será aos pés do monte Olimpo.
Representante de uma nova geração política, Syriza tem neste momento a tarefa de sobreviver e ser bem-sucedido contra as tentativas de impedir que o fantasma do descontentamento que assombra a Europa saia de sua forma meramente espectral e ganhe, enfim, corpo político. Um corpo que poderá contaminar outros países e modificar o cenário de inanidade atual.
A favor dos gregos, há o espírito do tempo e o desejo de todos os que cansaram da escuridão, do medo e da miséria, seja miséria econômica, seja miséria de ideias.
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