É advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assinou a coluna Letras Jurídicas, em "Cotidiano", por quase 30 anos, tratando com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito.
Poder ou não poder, eis a questão
O troféu do poder está em disputa pelo Legislativo (aparentemente vestindo a camiseta do Executivo) contra o Judiciário.
Para avaliar essa questão, é preciso recordar dois pontos: as regras do jogo não foram escritas por nenhum dos poderes, mas por uma assembleia constituinte. Nem por estar mais próxima do Legislativo, quebrou o equilíbrio entre os poderes.
Qual equilíbrio? O da própria Constituição, que a douta assembleia constituinte promulgou em 5 de outubro de 1988, presidida por Ulysses Guimarães, em texto assinado pela mesa e por todos os constituintes, de Abigail Feitosa a Ziza Valadares.
O verbo promulgar foi utilizado pelos ilustres autores da Carta Magna. Significa dizer que foi autenticada por quem a podia validar --ao mesmo tempo, dando-lhe condições de impor seu exato cumprimento.
O verbo promulgar, usado pelos constituintes, é daqueles que impedem o jogo de palavras. Promulgar corresponde, ao mesmo tempo, a ordenar a publicação do ato e impor o cumprimento a todos. É assim que há de ser respeitado e cumprido. Mais ainda: tem o caráter de verbo que não dá margem, ao intérprete, para grandes variações.
Neste breve exercício de interpretação do que consta da Carta Magna, é admitida a discussão da eventual dissidência entre os Poderes. Antes, porém, de entrar no mérito, cabe lembrar que a Constituição é "carta" e é "magna" por ser o documento do qual resultam direitos essenciais e de valor superior a qualquer outro, nos quadros de todas as leis vigentes no país.
Nesse quadro cabe a discussão agora desencadeada?
Caber, cabe, no uso da liberdade das ideias, mas o resultado é muito óbvio. A resposta começa pelo art. 2º da Constituição, pelo qual os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si. Vale para os três Poderes, cabendo destacar a harmonia em que devem desenvolver o cumprimento das suas funções.
Mas o leitor proporá uma questão. Se há um parâmetro, indicativo firme do que pode e deve acontecer, o que ocorre se a harmonia for quebrada, por qualquer circunstância? Há, no Brasil, o Poder Executivo, exercido pelo presidente da República --no Brasil, a presidente Dilma Rousseff, auxiliada pelos ministros de Estado que nomeie e, em missões especiais, pelo vice-presidente Michel Temer.
Como ficam? Se os Poderes são independentes e harmônicos, como resolver a discordância entre eles?
Se o assunto discutido for a edição de uma nova lei, a primeira verificação leva à leitura do art. 60 da Constituição. Dele decorre que nenhuma deliberação propondo emenda constitucional pode ser discutida se dela resultar a abolição da forma federativa do Estado ou ofender a separação dos Poderes.
E, por último, a pergunta óbvia: qual a solução, se houver discordância insanável entre os Poderes da República. A resposta está --sem menor dúvida de interpretação-- no art. 102 da Constituição.
Afirma a competência precípua do STF (Supremo Tribunal Federal) como guarda da Constituição. Cabe-lhe, por isso, julgar as ações diretas de inconstitucionalidade. Em resumo, para terminar: não é possível discutir projeto de lei que altere a definição constitucional sobre a competência dos Poderes. Se houver questão a esse respeito, só o STF resolve. Ninguém mais.
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