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15/03/2013 - 03h30

Análise: Envidraçar monumento revela pânico do poder público

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FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dizem que as construções não falam, mas, para quem pode entendê-las, elas revelam muito da sociedade que as criou e conserva. Prova é a Fonte Monumental, conhecida antigamente como "fonte das lagostas", graças aos crustáceos de cobre que a ornamentavam.

Fonte ganha 'aquário' para não ser mais usada como banheiro

Em primeiro lugar, a fonte revela antigas preferências da elite: a inspiração francesa de seu desenho e dos edifícios da praça --primeiro conjunto significativo de prédios de apartamentos da cidade. Eles materializaram, com um século de atraso, ideias urbanísticas da revolução burguesa, que abriu avenidas em Paris com eixos visuais marcados por monumentos e edifícios de mesmo padrão arquitetônico.

Se a ideia do Plano Haussmann era controlar revoltas e retirar pobres do centro de Paris, ela também definiu o espaço público como palco de coexistência de diferentes classes sociais. Se o passado da fonte é artisticamente requentado, em 1939 ela viu a vanguarda ao banhar escandalosamente Flávio de Carvalho.

A relação usual da sociedade com o espaço público pode ser traduzida no descaso que a acompanhou: criada para a Sé, foi jogada na São João e, ao ser abandonada pela elite, assistiu vândalos levando as lagostas, roubo eternizado em samba de Adoniran Barbosa.

Em resposta, foi cercada com grades; reaberta, virou point de usuários de crack.

Restaurações como as da fonte buscando superar a finitude que nós (e ela) iremos enfrentar: a nota negativa são as novas lagostas, em resina para não inspirar novos sambas; a positiva são as marcas de urina, cicatrizes eternizadas no Carrara que revelam a sociedade que vivemos.

Em vez de construir banheiros públicos, a municipalidade preferiu cercá-la com vidro.

Ponto para a indústria da segurança, que se alimenta do amedrontamento e estimula segregação em condomínios e shoppings. Quem perde é a sociedade, que se assusta com o recado: "O poder público está em pânico e se sente incompetente em garantir a ordem pública", a fonte grita de dentro do aquário.

FERNANDO SERAPIÃO é crítico de arquitetura e editor da revista "Monolito"

 

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