Orelhas ganham furos enormes com alargadores; jovens relatam preconceito
Foi dada a alargada: depois de pipocar timidamente em uma orelha ou outra, a prática de esgarçar o lóbulo com brincos se popularizou por aqui há cerca de cinco anos. A estimativa é de André Meyer, "piercer" que trouxe a técnica para São Paulo e aumenta dez lóbulos por semana, em média.
Adotada por Buda (para quem o tamanho do rombo era proporcional à sabedoria do dono) e por povos indígenas como os Yanomami, a expansão virou contemporânea de uma hora para outra, tendo de rasgar preconceitos cotidianos.
Marcus Antonius da Silva Pereira, 21 anos e 22 mm, escuta de dois professores da faculdade de direito que não vai poder entrar em tribunais com seus extensores. Mas não arreda o pé: só tirou as joias em 2007, para fazer um ano de serviço militar obrigatório, no RJ.
Eduardo Knapp/Folha Imagem |
Aline Domingues, 20, tem furos de 22 milímetros, que correspondem a moedas novas de 50 centavos, feitos com tampa de esmalte |
Pagou o preço em flexões. "Eu era mais cobrado do que os outros soldados porque, quando se chama a atenção, é mais fácil ser lembrado."
A paulistana Aline Domingues, 20, tem similares furos de 22 mm -tamanho de uma moeda nova de 50 centavos-, dos quais se arrependeu há um tempo. Relaxou, por achar que o furo não voltaria mais ao tamanho PP, e continuou esticando o lóbulo com materiais caseiros, como peças de "bike", canetas e tampas de esmalte.
"Afinal, enrugado e orelhudo, todo mundo vai ficar. A diferença é que minha orelha vai ser um pouco maior", diz.
Aline afirma que o rombo nunca foi problema. Diz que o avô não tem coragem de olhar fixamente para o local, mas que foi admitida numa empresa de telemarketing. "É porque não vejo as pessoas cara a cara."
A firma e o furo
Todos os dias, quando chega ao trabalho, Leandro Marcio Ramos, 30, mostra o rosto a 60 pessoas. Ele é o único a ter orelhas alargadas entre os "engravatados" do andar da grande empresa onde trabalha. Outros colegas, se muito, têm brinquinho de um lado só.
Por mais que se classifique como "o mais estranho de lá", os 14 mm de vão que tem há dez anos (o equivalente a um botão de calça jeans) nunca lhe trouxeram entraves na firma. O máximo que ouviu foi: "Conheço um cara da sua tribo". Risos.
Zoeiras não são o maior problema ao pé do ouvido de Diane Sturião, 25 anos e 20 mm de extensão lobular.
Estudante de fonoaudiologia em Juiz de Fora (MG), Diane tem de "se transformar" antes de ir para a clínica onde trabalha com crianças.
Paula Huven/Folha Imagem |
Marcus Antonius da Silva Pereira, 21, tirou os adereços para cumprir o serviço militar |
Brincos não são proibidos no ambiente, mas a coordenadora vetou os dela. Disse que poderiam chocar os pacientes.
Diane acata a regra e tira suas argolas, mas se recusa a cobrir os furos. "Fica mais feio sem as joias do que com elas", diz. Conta que um paciente mirim já perguntou o que havia rasgado suas orelhas daquele jeito.
Quando se formar, Diane pretende continuar trabalhando com "fono", mas dando aulas a atores, área na qual diz não haver discriminação.
O preconceito contra os furos nas firmas deve diminuir quando a "geração alargador" chegar ao mercado de trabalho, diz o consultor de recursos humanos Paulo Ichimaro.
Pingue-pongue
Problemas estéticos acontecem também em casa. Na de Sônia Cristina Silva, 39, os expansores de orelha são conhecidos como "os malditos". Sua filha Isabela da Costa, 13, tem uma bola de pingue-pongue em cada orelha. Os furos, hoje com 40 mm de diâmetro, começaram a ser alargados há um ano. De início, a mãe achou "bonitinho". Não acha mais. Mas não briga, porque diz entender a fase.
Sônia se classifica como uma mãe liberal. Tem duas tatuagens -a primeira delas feita em segredo, aos 17- e um par de "piercings". Escondeu da mãe o do umbigo até quando pôde, mesmo já tendo marido e filha. Mas as intervenções estéticas não bastam para entender o que anima a filha a alargar, diz.
"Já a deixei de castigo, proibida de sair, por duas semanas. Mas não adianta", afirma. O pito com pena aconteceu quando Isabela chegou em casa com mais de 20 mm em cada orelha.
Para arregaçar mais os lóbulos, Isa tinha feito "scalping" (abertura com bisturi) no estúdio de um amigo -escondida e fora da lei, já que só maiores de idade podem alargar.
Há uma semana, os 36 mm que causaram a briga viraram 40 mm, ultrapassando os 38 mm do namorado. A menina, conhecida como "orelhudinha" na classe, em que é a única a alargar, quer chegar até 42 mm. "Se me arrepender, depois faço a cirurgia [de reconstrução de lóbulo], que custa uns R$ 150." O procedimento para "tirar a alça" da orelha custa no mínimo 13 vezes esse valor.
A mãe acha que essa onda é diferente das anteriores. Para pior. "É uma modinha, como as por que passei. Mas as nossas não tinham mutilação nem deformação", diz, para em seguida completar: "Se bem que tatuagem deixa marca, né? Mas é completamente diferente".
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