Academias fazem competições para ver quem perde mais peso
Regina Celia de Almeida não cabia em si na manhã do sábado, 2 de abril. Tanto figurativamente, pela alegria ao descobrir que era a vencedora em uma competição de perda de peso promovida por uma academia, quanto literalmente. A camiseta com seu nome nas costas com que começara o périplo, seis meses antes, havia ficado um tanto larga. Escorregava.
"A minha vida mudou", disse Almeida, ainda brilhando do suor de ter subido correndo os oito andares de escada da Associação Cristã de Moços do centro da cidade. A mesma prova havia sido realizada em novembro, no dia em que 30 pessoas já matriculadas na academia começaram na empreitada –metade deles estava presente na final.
A dona de casa de 47 anos deixou mais de 20 kg pelo caminho de 180 dias. Foi de quase 80 kg para 58 kg no dia da pesagem final. Para isso, baniu linguiça e bacon, praticamente onipresentes nas refeições até então.
Compareceu religiosamente aos três encontros semanais de exercícios aeróbicos e funcionais, em sessões de 20 a 40 minutos, que fazia com metade dos competidores. Mas a vida não foi só de perdas: ela ganhou um prêmio de um ano de academia grátis, o que equivaleria a mais de R$ 3.000 se fosse colocar a mão na carteira.
"O programa foi um sucesso. Outras unidades da ACM pensam em fazê-lo", diz o professor de educação física Marco Aurelio Eichenberger Guimaraes, que coordenou a empreitada. O segundo Desafio do Peso, com duração de quatro meses, está agendado para julho.
A Competition inaugurou, há uma semana, um programa na mesma linha. A Olimpíada Slim, realizada nas quatro unidades da academia, só aceitou alunos com índice de massa corporal acima de 25, grupo enquadrado na categoria "acima do peso" –"obesidade leve" começa em 30 pontos. O programa era gratuito para quem já pagasse a mensalidade.
A competição vai durar nove semanas. No dia dia, os treinos, de ginástica funcional e exercícios aeróbicos, serão individuais, com um professor acompanhando cada um dos 60 competidores. Aos sábados, as turmas se encontrarão para aulas coletivas e palestras de nutricionistas.
"Optamos pela individualidade para que a pessoa se dê conta que está competindo mais consigo mesma do que com os outros", diz Leonardo Baleeiro, o treinador à frente do projeto. Os vencedores ganharão períodos grátis de academia, após o término, e acompanhamento nutricional.
REALITY SHOW REAL
As atividades sorvem sua lógica e seu apelo de reality shows televisivos como "Biggest Loser", adaptado para a TV brasileira primeiro como "O Grande Perdedor", em 2005, e depois como "Quem Perde Ganha", em 2007, ambos pelo SBT.
Os programas são bem-vindos por dar espaço a um perfil preterido pelas academias, na opinião de médicos e educadores físicos ouvidos pela reportagem. Mas o modelo competitivo pode trazer problemas.
"O foco não pode ser só a perda de peso. Tem de olhar para condicionamento físico, qualidade de vida, parametros sanguíneos, índices sociais", diz Bruno Gualano, professor da Faculdade de Educação Física da USP. Nas releituras de academias, o resultado leva em conta outros fatores.
A equação que deu a vitória para Regina Célia priorizava a perda de peso (que valia por 65% do resultado final), mas também levava em conta a oscilação de medidas da cintura, abdomên e quadril (15%) e os demais 20% provinham da melhoria no desempenho em provas físicas, como corrida e flexões.
Já a competição em curso na Competition é baseada num sistema de pontos. O aluno ganha um "passaporte" que é carimbado a cada ida ao ginásio, ganha pontos ao compartilhar fotos nas redes sociais e ao ir a palestras. "Eu gosto de olhar meus pontos. Mas não me dá furor competitivo de passar por cima de ninguém", diz a enfermeira Érica Gomes Pereira, 38, que pedalou numa bicicleta de alta resistência na tarde da segunda, 4.
"Do ponto de vista médico, competição não é uma boa. É sempre uma faca de dois gumes. A frustração de perder pode desmotivar a maioria", diz Gustavo Daher, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
Outro problema é o risco de colocar pessoas com pouco condicionamento físico. "Há um risco maior de lesão quando pessoas sedentárias e com sobrepeso começam a se exercitar", diz Gualano, da USP. "Não é bom começar com exercícios de alto impacto ou extenuantes."
Sete dos 30 competidores da ACM tiveram lesões ao longo do caminho (de costela fraturada a ligamento rompido, mas nenhuma delas em aula, segundo os professores de educação física). Um aluno comenta que gastou R$ 700 em uma semana, com aulas de tênis, "para não fazer feio na pesagem" mensal. Havia quem fizesse três horas seguidas de exercício. "O difícil é levar isso para a vida depois, transformar os hábitos de verdade, em vez de fazer uma operação de guerra que só dura algumas semanas. É frequente acontecer isso", afirma o médico Daher.
A vencedora Regina garante que não vai deixar a peteca cair –nem o ponteiro da balança tornar a subir. Pretende usar o prêmio para fazer o contrário, inclusive: "Quem sabe com academia de graça meu marido e meus filhos não se animam para vir comigo?".
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