Participantes têm que se descolar da realidade, diz psicóloga reality show
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
A psicólogo Débora Tabacof, 52, trabalhou com participantes de reality shows brasileiros |
A psicóloga Débora Tabacof, 52, abre o portão do sobrado em que atende seus pacientes, na Vila Madalena. É um imóvel pacato, ao contrário das casas de onde saem os frequentadores mais famosos: todos os participantes de reality shows como "Casa dos Artistas", do SBT, e "A Fazenda", da Record.
Ela trabalhou com 25 realities em vários canais –praticamente todos da TV aberta, menos a Globo. Após 15 anos na labuta televisiva, ela decidiu lançar uma abordagem terapêutica para os participantes desses jogos, mas que também pode ser usada por famosos de internet e pessoas que vivam da imagem. A terapia se chama Psicologia da Fama, e foi cunhada na prática.
"Foi muito difícil começar a trabalhar nesses programas. Primeiro porque era uma coisa que não existia", diz. Ela recebeu uma ligação do SBT em 2001. Silvio Santos, que ainda estava nos EUA, viu um programa que confinava várias pessoas numa casa cheia de câmeras por meses e decidiu reproduzir a experiência em solo nacional.
Ela, que até os realities praticava a psicoterapia, pesquisou outras teorias para lidar com a paranoia de câmeras e o medo difuso que os participantes têm público, que elege o campeão milionário dos programas.
Chegou ao francês Jacques Lacan (1901 -1981). "Eu precisava de um corpo teórico mais contemporâneo, e que lidasse com a questão da imagem, e achei tudo isso em Lacan", relata Débora.
A profissional só topou conceder esta entrevista caso o nome de nenhum participante fosse mencionado no texto. Toda menção a celebridades e sub-celebridades feita não saiu do consultório.
O problema de falar sobre famosos, além do impedimento contratual, passa por questões éticas. "Agora, nesse momento, é possível falar sobre a minha abordagem porque eu construí uma ética, meu método de trabalho."
SINCERIDADE
A ética está em ser sincera com os participantes. "Eu sou útil para o programa antes de ele começar." É ela quem faz algumas das entrevistas de seleção dos shows. "Eu não prometo sigilo para os participantes, não posso fazer isso. Foi o canal que me contratou. Repasso informação e todo mundo sabe, como o departamento de RH de uma empresa."
Outra atribuição é "despressurizar" os famosos, quando eles saem da casa televisiva e vêm para o mundo real, com sessões individuais. "Todos passaram por aqui", diz. "E alguns continuam vindo". Mas a transição andou ficando mais fácil, ela afirma. "Cada vez mais a sociedade se parece com um reality, e os participantes se dão cada vez melhor na vida."
A presença de Débora não é percebida pelos telespectadores. Nem deveria, defende ela, que a cada nova edição se retira um pouco mais do dia a dia dos programas. "No começo, eu tinha uma interação com os problemas internos, mas fui ficando especialista na retirada de influências externas."
FORA DE CENA
Ela zela para que questões do mundo real, que incluem a polícia batendo na porta do set com mandado de prisão em nome de um participante e morte de parente de uma das pessoas da casa, tenham um menor impacto na dinâmica do jogo.
Por mais que não entre na casa, a psicóloga fica à disposição para casos de revolta e briga. "Fico bem presente, mas fora da cena. Conheço todas as pessoas, todas as histórias. Mas observo para poder cuidar da saúde psíquica dos participantes, porque tem 200 pessoas para cuidar de todo o resto."
O que faz um agente da estabilidade e da calma num programa em que certo clima de caos faz bem –se não aos participantes, pelo menos ao Ibope? "Nunca interfiro. Isso é conteúdo do programa. Não pode mudar o conteúdo ou a continuidade do programa. Como a gente explicaria isso depois?"
Ela ficou de fora mesmo em episódios como a ex-modelo Andressa Urach (hoje evangélica) cuspindo seguidamente na cara do modelo Matheus Verdelho, em "A Fazenda 6", em 2013.
Houve um só programa em que ela atuou durante as filmagens, ainda que como um sujeito oculto. "Na 'Casa dos Artistas 2' [em 2002], eu atendia os participantes através de um espelho: eles falavam olhando para si mesmos e ouviam minha voz."
As conversas, que não eram gravadas, deram certo. Talvez certo até demais para os postulantes à fama, mas não para o programa. "Ficou calmo demais."
Foi aí que Silvio Santos injetou novos participantes para colocar um pouco de fogo no programa, como a socialite Carola Scarpa (1971 - 2011), ex-mulher do conde Chiquinho Scarpa e autoproclamada "princesa do povo".
Qual é a dica da psicóloga das estrelas para sobreviver com sanidade aos meses de confinamento televisivo?
"Tem de criar uma membrana que é impermeável: deixa o que é daqui de fora de fora e, quando sair de lá, esquece tudo", diz ela, com uma voz calma que ressoa na clínica, que fica na rua Harmonia (zona sul de São Paulo): "É o que eu espero oferecer para eles", brinca.
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