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05/06/2010 - 06h00

"Rei da Turquia", Alex conta como rivalidade entre clubes divide o país

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MARCOS FLAMÍNIO PERES
ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

Eleito por quatro vezes o melhor jogador da Turquia, o meia do Fenerbahce Alex de Souza, 32, não consegue andar pelas ruas de Istambul. "Mesmo torcedores de outros clubes pedem para eu tomar chá com eles."

Uma das maiores rivalidades da Europa, o clássico Fenerbahce x Galatasaray paralisa não só o país, diz, mas as comunidades de emigrados na Alemanha, França e Inglaterra.

Ídolo no Palmeiras e Cruzeiro, Alex diz que Dunga foi coerente em não convocar Neymar e Ganso, do Santos. Habilidoso, reconhece os méritos do esquema defensivo de José Mourinho, que acaba de ganhar a Copa dos Campeões com a Internazionale de Milão.

E Alex --que recebeu a Folha no luxuoso centro de treinamento de sua equipe, a 60 km da capital-- ataca o regime de concentração. "É inútil. Não funciona tão bem assim como os treinadores imaginam".

Há seis anos no Fenerbahce, Alex explica como a questão religiosa interfere nos treinamentos, ataca a cobertura da mídia esportiva nos dois países e diz que a maior parte dos comentaristas quer aparecer. No Brasil destaca positivamente Tostão e Paulo Vinicius Coelho.

Fala também do Palmeiras, com quem ganhou a Libertadores de 1999 e que está mergulhado em mais uma crise. "O problema lá é de administração."

Divulgação
Alex, que deixa saudade nos torcedores palmeirenses e cruzeirenses, é ídolo na Turquia
Alex, que deixa saudade nos torcedores palmeirenses e cruzeirenses, é ídolo na Turquia

FOLHA - O que acha do esquema tático da seleção brasileira?

ALEX A posição do Dunga é em cima do que jogou e de como vê o futebol. O auxiliar dele era um jogador defensivo [Jorginho]. Tinha o apoio como uma grande característica, mas a primeira coisa que um lateral pensa é estar na primeira linha de quatro da defesa. Se você me perguntar: você gosta? Não, não gosto porque sou meia.

O que pensa da não convocação de Ronaldinho Gaúcho, Neymar e Ganso?

Dunga tinha um grupo montado, construído por ele desde que assumiu. Ele manteve a coerência daquilo que deve ter falado a seus atletas nesses quatro anos.

E de não ter convocado Adriano?

Não foi o Dunga que não o levou, foi o Adriano que se retirou pela queda que teve dentro de campo e que foi causada por seu comportamento fora de campo. Mas acho que o Dunga deve ter esperado por ele até o último minuto.

Esse comportamento displicente é mais comum do que parece no futebol?

Não vejo como displicência, vejo como o modo de viver de cada um. Já joguei com jogadores para quem a gente pedia "vai para a noite, porque você não está rendendo". Não condeno essa situação. O que condeno é o seguinte: tem horário a cumprir? Então o jogador tem que estar lá no horário marcado.

Mas tem que estar inteiro...

Mas o foco principal, o treinamento, não serve para nada, a não ser para aprimorar aquilo que você já tem de bom. O que define é o jogo. Agora, o cara tem que acender a luz amarela a partir do momento em que vai para o jogo e não rende, a partir do momento em que vê que o corpo já não é mais o mesmo, quando percebe que está tendo lesões que antes não tinha.

Você ainda suporta concentrações?

Não. Detesto concentração desde que tinha 18 anos. Acho uma coisa inútil, mas necessária. Mas o que acho inútil é se trancar dentro de um hotel, um resort, por 15 dias para fazer o mesmo tipo de treinamento, o mesmo tipo de coisa para jogar dali, sei lá, a 15 dias.

A famosa "não concentração" do Brasil em Weggis, na preparação para a Copa de 2006, virou um oba-oba. A coisa extrapolou demais, não?

Todo mundo culpou os jogadores, mas eles não têm culpa. Jogador não monta programação, jogador cumpre a programação. Ela é feita pelo treinador, a comissão técnica e o pessoal acima dele. O Brasil perdeu porque os jogadores iam para aquela bagunça, mas eles não decidiram nada. Quem decidiu foi desde o presidente da CBF até o [Carlos Alberto] Parreira, que era o treinador. O Dunga agora vai trancar o time num hotel só para eles e tal. Os jogadores, novamente, não participam disso.

O que acha do time do Santos?

Um baita time, montado um pouco sem querer, porque ninguém investiu nesses moleques.

Muitos o comparam ao Barcelona. Você ficou surpreso com sua eliminação da Copa dos Campeões, pela Internazionale de José Mourinho?

Não, porque é a mesma coisa que disse sobre Dunga. Cada um vê o futebol de uma forma. Após o segundo jogo, em Barcelona, as pessoas disseram "ah, mas a Inter só se defendeu". Espera aí, mas a Inter defendeu um 3 a 1 que tinha feito em Milão, no primeiro jogo! Quando fui campeão da Libertadores pelo Palmeiras, diziam que o Felipão [Luiz Felipe Scolari] tinha que soltar mais o time. Mas era o Felipão, ele não conseguia soltar, porque enxergava o futebol assim. Aconteceu também com o Guardiola [técnico do Barcelona]: foi jogar em Milão da mesma forma como joga sempre, aberto, mas pegou o Mourinho pela frente.

Falando de Palmeiras, como você, que foi ídolo lá, avalia a situação atual do clube?

Sinto tristeza, porque o Palmeiras é muito grande. E acredito que com uma administração diferente, o clube poderia viver melhores momentos, como já viveu no passado.

O problema lá é de administração?

Nesse período todo que estou fora, converso com muita gente de dentro e sempre tem muita dificuldade [vinda] de dentro do clube. E isso se reflete dentro do campo.

E a relação com a torcida? Diego Souza e Robert eram execrados...

Mas na minha época também existia isso. O jogador é que tem que ter consciência de que a única forma de evitar isso é tendo compromisso grande com o clube.

Mas pode haver tal comprometimento em um futebol tão globalizado como o de hoje?

Mas o compromisso não precisa ser eterno, como o do Marcos, que chegou menino e vai acabar dentro do Palmeiras. Mas, o comprometimento dele não foi maior do que o meu. Só não gosto de jogador que tem contrato com o time A e vem emprestado para um time B para jogar durante três meses. Ai é complicadíssimo, porque não tem como criar comprometimento.

Você acompanha os programas de debates de futebol?

Vejo para dar risada, porque é muito fácil analisar futebol. O cara não tem envolvimento nenhum com a partida. Aprendi muito com isso, porque muita gente dizia de mim: o Alex não participa, o Alex dorme em campo. Uma vez me disseram: "Você é muito frio, não reage às situações!". Espera aí, como é que o cara consegue enxergar isso vendo na televisão?
O Roberto Carlos declarou que, se o Dunga precisasse dele na seleção, ele iria, porque ele poderia passar sua experiência aos mais jovens. Ai um comentarista vira e fala: é, o Roberto realmente deve ter experiência em fazer pagode, em beber, em jogar baralho, porque voltou para pagar a pensão alimentícia de um casamento... Mas, espera aí, o que isso tem a ver com futebol?
Se um jogador quiser beber cerveja, não é o Roberto Carlos que vai ensiná-lo, porque ele, provavelmente, já aprendeu a beber cerveja no juvenil, na casa dele... O cara que diz isso está de gravata, assistindo pela TV, com ar-condicionado... Fica muito fácil falar. Aí você pega um país socialmente complicado como o nosso, e as pessoas começam a acreditar nisso.

Murad Sezer/Reuters
Alex diz que nunca viu rivalidade entre times como Fenerbahce x Galatasaray
Alex diz que nunca viu rivalidade tão grandes entre equipes como Fenerbahce x Galatasaray.

E como a mídia trata o futebol nos dois países?

É a mesma coisa. Tem quem entende, tem o cara que quer polêmica, tem o ex-jogador que nunca jogou nada e, depois que virou comentarista, virou craque... Porque eu nunca vi ex-jogador ruim [risos]

Qual é a diferença entre ser ídolo no Brasil e na Turquia?

Aqui a coisa é muito maior.

Você consegue sair à rua?

Sim, mas já sabendo que vou precisar de uma muita paciência para atender todos. Porque é diferente do Brasil. Aqui torcedores adversários --do Galatasaray, do Besiktas [a terceira força de Istambul]-- pedem para tirar foto comigo.

A rivalidade é muito grande?

Nunca vi igual. Ela toma o país. Mesmo os turcos que moram na Alemanha, Bélgica, França, Inglaterra, nesse dia, param para assistir ao jogo entre Fenerbahce e Galatasaray. Também existe a rivalidade continental, porque o Galatasaray fica na parte europeia de Istambul e, nós, na asiática. Chamam o lado de cá de República do Fenerbahce. E são cem anos em cima.

Como é a sua vida aqui?

Vivo aqui como viveria no Brasil, excetuando poucas coisas. Por exemplo, adoro teatro e aqui eu não posso ir porque dificilmente eu vou entender 100%.

Você fala turco?

Não, mas me viro.

A questão religiosa te impressiona?

Hoje não mais. Mas, no início, era absurdo.

De seus colegas de clube, tem algum que seja...

Tem fanático! Tem jogador que faz as cinco orações do dia, que pede para o treinador mudar o horário o treino porque precisa rezar.

Qual o melhor técnico que você teve?

Luxemburgo.

Taticamente e em motivação?

Disparado.

E o Scolari?

É um treinador fantástico, mas enxergamos futebol de forma diferente.

Quem ganha a Copa?

Os tradicionais estão fortes. Brasil, Inglaterra, a Itália --para quem nunca ninguém dá nada, mas é sempre a Itália--, a Holanda, que tem um bom time.

E a Argentina?

É tradicionalíssima, mas o time do momento é a Espanha. Tem que ver como vai se comportar no torneio. Só dá para descartar Nova Zelândia e Coreia do Norte [adversária do Brasil na estreia], que não enganam ninguém.

  • O jornalista viajou a convite do governo da Turquia.
Divulgação
Em ação dentro de campo, Alex tenta superar a marcação rival
Em ação dentro de campo, Alex tenta superar a marcação rival
 

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