A minha Copa: Atravessei a África do Sul na contramão, diz Paula Cesarino Costa
William Mur/Editoria de Arte/Folhapress | ||
Na contramão pela África. Era a sensação constante nos 42 dias que passei na África do Sul, entre junho e julho de 2010. Via um país desviar das barreiras construídas pela desigualdade e pavimentar a esperança de mudar o futuro.
Dirigindo na mão inglesa –aquela inversão em princípio ilógica de sentar-se à direita com o volante nas mãos–, viajei por extremos. Primeiro, na região de Johannesburgo, a maior cidade do país e centro nervoso da organização da Copa do Mundo. Passava por ruas arborizadas com mansões hollywoodianas, entrava em vias expressas, tinindo de novas, para atingir, não o futuro, mas o passado que gritava no Soweto, símbolo da resistência ao regime de separação racial do apartheid (1948-94).
Em estradas que ladeavam paisagens variadas, fomos de Durban a Cidade do Cabo, passando por Port Elizabeth, onde testemunhei o melhor e o pior da seleção brasileira. Os primeiros 45 minutos contra a Holanda (a melhor atuação) e a desclassificação.
Na contramão do clima festivo, estava a tensa fisionomia da seleção pentacampeã, isolada num condomínio de luxo, entre campos de golfe.
Alexander Joe-11.jun.2013/AFP | ||
Torcedor agita uma bandeira da África do Sul no estádio Soccer City, em Johannesburgo |
Enquanto os Bafana Bafana –o time nacional sul-africano– não se abatiam ao entrar para a história como a primeira seleção de um país-sede a se desclassificar na primeira fase, incensados por uma torcida orgulhosa.
A Copa da África do Sul tinha tudo para dar errado.
Um país pobre, dividido, com pouca tradição no esporte, sem infraestrutura urbana conseguiria organizar um torneio dessa importância?
Houve atrasos. O belíssimo estádio Soccer City ficou pronto só um mês antes.
Houve falhas no transporte. Na abertura, trajetos de 30 minutos foram percorridos em até cinco horas. Na semifinal, o aeroporto não deu conta dos jatinhos com vips.
Houve confrontos. Manifestantes foram feridos por balas de borracha. Grupos contra a Copa e a Fifa protestavam contra gastos exorbitantes e remoções absurdas.
Mas não foi isso que ficou.
Impressionava a convicção profunda –e as expressões de alegria e orgulho– de que aquele evento que unira negros e brancos poderia mudar o país por dentro, e a forma como era visto de fora. Foi como participar de um sonho. Ilusão. Bastava olhar em volta.
Uma noite fomos a uma igreja metodista no centro de Jo'burg, onde refugiados e sem-teto se abrigavam.
Dava tontura a escuridão e o cheiro ardido. Eram vítimas de estupro, tuberculose, HIV, amontoadas no chão ou equilibrando-se nas escadas.
Noutro dia visitamos o resort superluxuoso em Sun City, onde torcedores ingleses e mulheres dos jogadores se hospedaram. A diária chegava a R$ 13.800. Deixava sem fôlego o luxo e a ostentação dos imensos salões e jardins, quase um conto de fadas. Tudo era falso, até floresta e rio.
Nelson Mandela só apareceu no final. Aos 91 anos e já bastante frágil, entrou no campo com um sorriso sereno. Fez um lento aceno. Ouviu-se o coro "Madiba, Madiba". O estádio aplaudiu de pé.
Desde criança, eu jogava futebol. Desde jovem, achava estranho o desconhecimento dos brasileiros sobre a África –tão fundamental para a formação do Brasil. Fiz cursos, li livros, viajei e conheci alguns países. Falta muito a aprender.
A Copa da África do Sul deu certo. Foi a minha Copa.
Paula Cesarino Costa é diretora da Sucursal do Rio da Folha
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