Juca Kfouri: Mãos sujas
A Copa de 1978 marca o fim de uma era e o começo de outra. O romantismo deu lugar aos negócios.
Até 1974, quando João Havelange destronou o inglês Stanley Rous na Fifa, a entidade tinha uma posição eurocentrista que o brasileiro dinamitou ao fazer de Pelé seu cabo eleitoral na África e ganhar a eleição, apesar de, mais tarde, ter tentado diminuir o papel do Rei do futebol.
Imperial, embora subserviente aos governos -democráticos, ditatoriais, à esquerda ou à direita- em nome de ser apolítico, fez política da maneira mais amoral possível, a ponto de virar amigo da ditadura argentina, que hospedou a Copa de 1978.
Não se negue a Havelange a visão negocial que tornou a Fifa uma grande empresa transnacional.
A exemplo do que fizera sob a ditadura brasileira com a justificativa de integrar o país pelo futebol -fez o Brasileiro com 20 times em 1971 e com o dobro dois anos depois-, Havelange pegou a Copa com 16 seleções em 1978 e a deixou, após 20 anos, com 32.
Seu maior pecado foi ter feito do grande negócio do futebol, já na aldeia global que a TV alcançava via satélite, a fortuna de poucos.
Principalmente de seus sócios da Adidas e da ISL, os irmãos Dassler, que originalmente fizeram fortuna ao calçar as tropas nazistas, às quais eram partidariamente filiados, na Segunda Guerra Mundial.
A ISL, como se sabe, foi a gigante do marketing esportivo que Havelange protegia da concorrência e que acabou responsável por seu fim inglório, obrigado a se demitir tanto da Fifa quanto do Comitê Olímpico Internacional para não ser expulso, acusado de corrupção documentada.
Tudo porque o futebol, que ele vislumbrara como um dos maiores negócios da indústria do entretenimento no fim do século 20, virou algo tão enorme que o engolfou -sem que ele pudesse controlar o processo como sempre fizera, autoritariamente.
Perto dos cem anos, provavelmente Havelange será visto pela posteridade como um empreendedor, mesmo que com métodos deploráveis. Fato é que existe uma Fifa antes dele e outra depois. Se melhor ou pior, dependerá sempre do ponto de vista, romântico ou pragmático.
É indiscutível que por suas mãos o capitalismo chegou plenamente à Fifa.
Mãos sujas, o que parece ser inevitável no mundo do esporte.
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