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Opinião: Por que o Brasil já ganhou

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Meu time, a Holanda, havia acabado de concluir uma vitória improvável, e eu estava boiando em uma piscina em Brasília. Pássaros tropicais chilreavam nas árvores acima, e os amigos tagarelavam na água em torno de mim. Foi ali que eu tive meu momento eureca: das sete Copas do Mundo a que assisti desde 1990, esta é a melhor.

E estamos falando de um julgamento olímpico, sem parcialidade. Como disse o treinador nigeriano Stephen Keshi logo depois que sua equipe foi eliminada, "até agora foi tudo maravilhoso". Com isso, a tarefa passa a ser determinar exatamente por que, para que possamos engarrafar o sentimento brasileiro e reutilizá-lo na Rússia em 2018 e no Qatar em 2022.

O primeiro elemento é o futebol ofensivo. A maioria dos jogos em copas do mundo são tediosos. Assistindo a horrores como Japão vs. Paraguai, em 2010 em Pretória, me apanhei muitas vezes pensando "por que alguém assistiria a isso?" Mas quando faltavam 10 partidas para o final da Copa no Brasil, o número de gols marcados já havia superado o das copas de 2006 e 2010. Minha teoria é que, desde o começo dos anos 90, o futebol televisado ao vivo vem forçando o esporte a criar conteúdo mais atraente. O jogo gradualmente passou a ser mais ofensivo.

O segundo motivo para que a atual Copa funcione é o Brasil. Em parte é o sol quente, especialmente depois do inverno do Highveld sul-africano em 2010. Em parte são as praias. Quando você passa sua primeira tarde de folga em 20 dias caminhando por Copacabana, percebe que uma praia de primeira linha deveria ser elemento compulsório em todas as futuras Copas do Mundo, da mesma forma que estádios de primeira linha. E isso foi algo que os alemães não forneceram em 2006.

Um terceiro elemento de que qualquer futura Copa não deveria prescindir são os brasileiros. Se você vive em Paris, é uma sensação desconcertante visitar um país onde quase todo mundo é agradável. Tive um choque cultural diferente no Japão e Coreia do Sul em 2002: todo mundo era polido. No Brasil, até os policiais militares o cumprimentam com um tapinha amistoso nas costas quando você passa (se você for estrangeiro e branco, pelo menos).

A realidade é que os brasileiros vêm me oferecendo um curso de um mês sobre como administrar a raiva. Se você tem uma má personalidade, o que é meu caso, ser jornalista em uma Copa do Mundo tende a fazer com que ela aflore. Você dorme pouco. Trabalha demais. Está sempre na fila em estádios e aeroportos, ou disputando espaço com milhares de outros homens cansados e com excesso de trabalho nos "centros de mídia dos estádios", sempre sob luzes excessivamente brilhantes.

Algumas pessoas perdem o controle. À medida que a Copa do Mundo avança, as brigas nos centros de mídia se tornam mais comuns. Mas convivendo com os brasileiros você aprende a aceitar graciosamente as dificuldades. O táxi que você pediu para levá-lo correndo ao aeroporto não veio? Agora você está preso em um congestionamento? Acomode-se e relaxe. Assistir aos jogadores completa o curso de controle da raiva. Estamos diante de jovens que estão perdendo os jogos mais importantes de suas vidas enquanto outros jovens os chutam e mordem, mas a maioria deles consegue se controlar e trocar um aperto de mão com os adversários no final da partida. Já eu estaria mordendo quem me mordeu. (Estou lentamente descobrindo que usar um tapa-orelhas é a solução para a maioria dos problemas humanos.)

Outro prazer: esta é uma Copa do Mundo onde não há medo. Os primeiros torneios a que assisti aconteceram sob um medo obsessivo de torcedores arruaceiros. (Quando dois amigos britânicos e eu chegamos a um pequeno posto de fronteira italiano para a Copa do Mundo de 1990, o pessoal da aduana não queria nos deixar entrar com a alegação de que tínhamos cara de ingleses arruaceiros.) As Copas do Mundo posteriores ao 11 de setembro viveram à sombra de um medo excessivo de terroristas. A Copa do Mundo de 2010 foi maculada pelo medo excessivo quanto ao crime na África do Sul.

A última recomendação da minha mulher antes do meu voo ao Brasil foi "não seja morto". O índice de homicídios é alto no Brasil, ainda que a coisa mais arriscada que você pode fazer no país provavelmente seja dirigir. Mas as coisas parecem mais seguras nas áreas turísticas, que vivem repletas de policiais. De noite, São Paulo e o Rio estão repletas de pessoas, enquanto Joanesburgo praticamente fecha. Não sei se isso acontece porque o Rio e São Paulo são mais seguras, mas de qualquer jeito é agradável.

Usualmente, os momentos mais agradáveis de uma Copa do Mundo são aqueles em que você escapa da Copa do Mundo. No começo do torneio, fiz o que provavelmente será a única visita da minha vida à Amazônia. Passei 30 horas lá, em geral assistindo futebol em bares. Mas em minha única manhã na região, saí caminhando por Manaus, virei a esquina em uma feia rua industrial e de repente vi o grande rio, no final de um beco. Um homem de calção estava dentro da água até os joelhos, lavando o cabelo. Galinhas bicavam o lixo. Passei cinco minutos em companhia delas. Depois fui assistir a Inglaterra vs. Itália.

Toda Copa do Mundo é fascinante. O torneio dramatiza o papel da sorte na História, nos ensina sobre a psicologia da mordida, oferece vislumbres do gênio humano, permite que estudemos a alma coletiva dos uruguaios e, por um breve momento, cria uma conversação de alcance mundial. Se há uma coisa que lamento, é o fato de que o treinador uruguaio Oscar Tabárez esteja errado: a mídia britânica não é uma cabala que controla o mundo. Se fosse...

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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