São Paulo    
O segredo do voto

A participação da cidadania é decisiva

ANDRÉ SINGER
colunista da Folha Online

Existe um importante movimento subterrâneo no Brasil. Pequenos grupos suprapartidários, de cidadãos preocupados em recuperar a dignidade da política, pipocam no país. O saudável objetivo dessas iniciativas é intervir no processo eleitoral deste ano de modo a obrigar, pela fiscalização e vigilância, os candidatos a se comprometerem com programas de ação, a utilizarem métodos legítimos de conquista de votos e, uma vez eleitos, a prestarem contas de seus atos aos eleitores. Se quisermos ter uma democracia de boa qualidade no Brasil, será necessário apoiar e fazer crescer tais iniciativas.

De acordo com o secretário da Comissão de Justiça e Paz, Francisco Whitaker (ver o artigo dele no site www.werbo.com.br), existe agora um poderoso instrumento na mão de quem quiser fiscalizar os métodos de campanha. A lei 9840 permite cassar sumariamente a candidatura de quem tentar comprar votos ou usar a máquina da prefeitura para angariar sufrágios. Essa lei coloca na mão de todos os eleitores uma arma que, se bem usada, pode influir no sentido de elevar o nível das campanhas.

Uma coisa precisa ficar clara. Não adianta continuar a reclamar dos políticos e esperar que as coisas mudem do alto. Ou os brasileiros alteram a sua maneira tradicional de pensar, segundo a qual as soluções devem vir de cima, ou nada vai acontecer. O Brasil, tão pródigo em importações nefastas dos Estados Unidos (como o monte de palavras e expressões que não dizem qualquer coisa a mais do que o seu correspondente em português), poderia incorporar um pouco da mentalidade participativa dos americanos. Talvez seja um traço protestante (Tocqueville achava que era), mas nos EUA sente-se que as pessoas estão sempre como a dizer: “O problema é meu. O que posso fazer para resolvê-lo?” Aqui não. Aqui a atitude é: “Tudo é uma droga. E eu não vou fazer nada, porque qualquer coisa que eu fizer, tudo vai continuar do mesmo jeito.”

A participação dos cidadãos na fiscalização dos políticos é insubstituível. Não haverá mecanismo institucional que envolva partidos, sistema eleitoral, o judiciário, o ministério público etc, capaz de elevar a qualidade da representação se os eleitores não mudarem de atitude. A principal dificuldade está na apatia política e na enorme distância que existe entre as decisões de Estado (aí incluídos os três poderes) e a vida cotidiana de um indivíduo que precisa lutar com denodo para sobreviver e sustentar a família. Não sobra tempo para nada. Quanto mais para se meter em política.

Tocqueville (outra vez ele) já havia notado que essa contradição levaria a democracia a um tremendo impasse. A democracia é, muito em tese, o governo do povo, mas o povo não governa e, em um certo sentido, está até mais distante das decisões do que quando havia uma cadeia hierárquica a ligar todos com todos, como no feudalismo. Paradoxal, mas dá o que pensar.

As eleições municipais deste ano ainda não despertaram o interesse da maioria dos eleitores. É um mau sinal. Não importa qual a ideologia do indivíduo. Quando nenhum candidato o mobiliza - contra ou a favor -, significa que a política está ainda mais distante do que o habitual. Para os que já perceberam a importância da política e a necessidade vital de termos uma democracia de melhor qualidade, recomendo que procurem, ou organizem por conta própria, grupos suprapartidários de fiscalização e controle. Estarão prestando um relevante serviço a si mesmos, mas sobretudo ao país.




André Singer
Repórter especial da Folha de S.Paulo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Escreve todas as quartas e sextas-feiras no Eleições Online. E-mail: asinger@uol.com.br

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