O segredo do voto
As eleições e o problema da segurança
ANDRÉ SINGER colunista da Folha Online
Eleições municipais deveriam ser momentos em que os partidos fossem obrigados a apresentar propostas de resolução dos grandes problemas da cidade e tivessem que debatê-las em público para que o eleitor decidisse quais lhe parecem melhor. Desse modo, o cidadão estaria decidindo, quase diretamente, qual a política que ele deseja ver implementada com respeito àqueles problemas.
Em tese deveria ser assim. Na prática, assiste-se a muita propaganda e pouca proposta séria. No fim, o eleitor é obrigado a optar a partir de criterios anteriores (a fidelidade ideológica e partidária) ou exteriores (a imagem do candidato, a performance do governo que termina) aos temas daquele pleito específico.
Tome-se como exemplo o problema da segurança. O aumento da violência e da criminalidade nas grandes capitais brasileiras deveria tornar-se um dos principais pontos da agenda de debates da eleição municipal. Cidades conflagradas como São Paulo e Rio de Janeiro necessitam com urgência de uma política de segurança séria, organizada e consistente. Trata-se, literalmente, de uma questão de vida ou morte.
Pois bem, em São Paulo, o tema da segurança foi trazido à tona pela direita. Maluf articulou a sua propaganda em torno de uma postura semelhante à que levou o republicano Rudolph Giuliani à vitória em Nova York três anos atrás: a tolerância zero. Não é casual que para a direita seja mais fácil falar do assunto. Historicamente ligada à noção de conservação, a defesa da ordem pública cai melhor no universo mental da direita do que da esquerda.
No entanto, a principal bandeira de Maluf, a municipalização da segurança pública, não deixa transparecer uma vontade efetiva de adotar medidas que possam representar ações imediatas diante de um quadro urgente. Como declarou o próprio Maluf à Folha, ele pretende lutar pela idéia junto ao Congresso Nacional, nem que leve 20 anos. Ocorre que em 20 anos, do jeito que a coisa vai, estaremos todos mortos. No mínimo, a perda em número de vidas será enorme.
Já à esquerda há uma dificuldade tradicional em elaborar o problema da segurança. “As esquerdas, que foram historicamente as únicas fontes de repúdio a todas as dimensões desse quadro tão dramático, não souberam passar da denúncia à proposição de vias alternativas que fossem realmente capazes de conjugar eficiência policial e respeito pela cidadania”, afirma o ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro Luiz Eduardo Soares, em artigo na Folha de ontem. Compreende-se. O pensamento de esquerda foi treinado para encontrar meios de transformar a ordem e não de conservá-la, ainda que de modo criativo.
O resultado, até aqui, tem sido um debate que não se constitui enquanto tal, o que esvazia o processo político. É preciso que o eleitor sinta que os partidos identificam o problema, oferecem alternativas razoáveis e sabem argumentar a favor de suas propostas.
Se isso não acontece, cabe pressionar os partidos e candidatos para que apresentem respostas. Ou para que se comprometam com propostas elaboradas pela própria cidadania. O que não se pode é admitir que cidades em estado de guerra continuem sem uma política de segurança séria e definida democraticamente.
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