Luís Francisco Carvalho Filho
Migrações
Não temos regulamentação adequada para tema tão sensível e relevante; só administramos a questão
Migrantes incomodam em caso de crime, quando disputam postos escassos de trabalho ou quando transbordam fanatismo político ou religioso. O atentado aos cartunistas franceses atiça o preconceito que normalmente alcança os que trocam de pátria.
A ONU contabiliza 232 milhões de pessoas vivendo fora do país em que nasceram. Refugiados (guerra, miséria, perseguição) são 16,7 milhões.
O Brasil recebeu 2.320 refugiados, 1.740 da Síria, em 2014. Os haitianos vêm pela fronteira amazônica. A crise econômica estimula jovens europeus, melhor formados, a experimentar a vida por aqui. Em São Paulo vivem mais de 100 mil bolivianos, grande parte em situação irregular.
Não há razão para uma política restritiva da migração. Nossas portas já foram abertas para portugueses, italianos, japoneses, alemães, coreanos, árabes, africanos, sem motivo para arrependimentos. Em busca da prosperidade, disseminaram sua cultura e seus hábitos.
É mais barato acolher estrangeiros, os ilegais inclusive, facilitando o acesso a serviços de educação, saúde e previdência, do que mantê-los à margem da lei. A informalidade e o temor das autoridades deixam a pessoa vulnerável, vítima em potencial de regimes degradantes de trabalho. A clandestinidade incentiva relações com o crime organizado que promove o tráfico de pessoas entre outros delitos.
Se a porta de entrada dos países é policial, a migração não deveria ser caso de polícia.
Como tratar o contingente de pessoas que vem para o Brasil com ou sem autorização? Como organizar o serviço de recebimento? Quais devem ser os critérios para a aceitação e recusa? Em quais hipóteses justifica-se o poder extremo de expulsar, deportar ou extraditar?
O número de estrangeiros presos é 3.191 (junho de 2013), o que representa apenas 0,6% da população carcerária. Um parâmetro comparativo: nos EUA, 6,8% dos presos são migrantes. As Américas (1.492) e a África (985) são os continentes que mais preenchem as nossas celas. Mas, em Itaí, interior de São Paulo, uma penitenciária exclusiva para estrangeiros, superlotada, já concentra mais de 1,2 mil condenados, a maioria por tráfico. O que fazer?
Não temos regulamentação adequada para tema tão sensível e relevante. Administramos o problema com anistias periódicas.
A migração está no leque dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e o Estatuto dos Estrangeiros em vigor não presta. Editado durante o regime militar (1980), é contaminado por princípios autoritários e pela burocracia infinita. A migração ainda está concebida como fluxo indesejável de pessoas, na contramão da história.
O governo Lula encaminhou em 2009 projeto de lei que se arrasta no Congresso. Aparentemente insatisfeito com o conteúdo do texto, o governo Dilma criou comissão de especialistas que divulgou, em julho, nova minuta de anteprojeto. Por que não estabelecer como prioridade política a reforma legislativa?
Os governos mitigam as dificuldades da lei ultrapassada com um trato mais humanitário da migração. Não é suficiente. E resta saber se estamos preparados para a prevenção do extremismo e para os efeitos colaterais de eventual fechamento de fronteiras na Europa depois do massacre de "Charlie Hebdo".