Minha História - Gisane Grillot, 37
Cárcere russo
Empresária brasileira presa na Rússia por ultrapassar o período do visto fica 34 dias em uma cela com uma condenada por homicídio
RESUMO A empresária Gisane Grillot, 37, de Guarulhos (Grande SP), foi visitar a filha, Bruna, 19, que estuda medicina em Kursk, no sul da Rússia, mas acabou presa por 34 dias por ultrapassar em nove o período do visto, apesar de dizer que a lei prevê apenas multa. Dividiu a cela com uma prostituta e uma ex-condenada por homicídio. Por telefone, contou sua história na quinta (26), enquanto esperava o voo para o Brasil.
(...) Depoimento a
MARINA DARMAROS COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MOSCOUTudo começou no dia 1° de fevereiro, quando não me deixaram embarcar [em Moscou] porque eu tinha ultrapassado em nove dias meu visto. Deram uma multa de 3.000 rublos [R$ 170] e me mandaram procurar o consulado brasileiro, dizendo que eu precisava de visto de saída.
Era um domingo, liguei do aeroporto para o consulado. O diplomata que me atendeu disse que isso não existia, que era só eu pagar a multa e sair.
Na segunda, fui ao consulado e falei com outro diplomata que me disse que tudo era muito simples e que eu deveria voltar a Kursk. Voltei, falei com o contato que ele me deu e que disse que não tinha nada a ver com isso.
Uma audiência foi marcada. A juíza me fez quatro perguntas: meu nome, se eu era do Brasil, por que eu tinha atrasado e se eu tinha ciência do meu erro. Um menino da faculdade traduzia do inglês para o russo e assim foi. Tudo durou dois minutos. Ela me declarou culpada.
Liguei para o diplomata informando que estava sendo presa. Ele não sabia russo, passava para uma assistente falar com o policial e me dizia que não, não era possível.
Recebi uma sentença de dez dias de detenção. No 13º dia descobri que não ia sair porque tinha que receber uma cópia da sentença na minha língua. Contratei um advogado, que disse que, se estivesse comigo desde o início, talvez eu não tivesse sido presa.
Acabei ficando 34 dias em um presídio, com outras duas mulheres, numa cela com uma porta de ferro que tinha uma janelinha por onde eles passavam a comida.
A mais velha, de 47 anos, era a Natasha. Já tinha ficado presa 14 anos porque esfaqueou um homem que a estuprou. A outra, Maria, está lá há oito meses. Foi pega fazendo alguma coisa, roubando, não consegui entender. Ela era prostituta.
Tinha direito a comer três vezes por dia, às 9h, às 13h e às 17h. Uma colher de gretchka [trigo sarraceno], um pedaço de peixe, às vezes um pão com ovo cozido no café da manhã e chá, sopa e água quente para fazer chá. Se minha filha não levasse comida, passaria fome.
A única coisa que ajudou é que as presas tinham um celular, bem antigo, escondido.
Tinha sete celas, só uma de mulheres. Eu estava na cela quatro. Os oito homens da cela três abriram um buraco porque as mulheres queriam passar para lá para transar.
Eles começaram a quebrar a parede em um final de semana, e elas diziam que era para passar a bateria do celular. Mas aí elas disseram que iam aumentar o buraco porque queriam passar para lá. Eu entrei em pânico.
Toda noite eu tomava um calmante muito forte para dormir, que a médica do presídio nos dava. Naquela noite, elas perguntaram se eu tinha tomado, eu disse que sim. Mas não tomei, me enrolei no cobertor e fingi dormir.
Elas passaram para o outro lado e uma voltou com um homem. Eu estava pronta para gritar. Mas ela não deixou ele encostar em mim. Aí eu pedi ajuda da minha filha pelo celular, o advogado pediu uma inspeção na cela e eles tamparam o buraco.
Os homens que estavam nas outras celas eram bandidos, tinham roubado, matado. Nos primeiros dias eu tentava dormir o dia todo.
Ninguém do consulado foi a Kursk nesses 34 dias. O diplomata disse que não podia deslocar uma pessoa de Moscou para Kursk porque o consulado ficaria "desfalcado".
Meu marido, que é advogado, fez uma reclamação na ouvidoria do Itamaraty.
Minha filha, Bruna, estuda medicina em Kursk. Ela chegou em abril do ano passado e eu fui para arrumar a vida dela, para alugar um apartamento. E meu filho, Gabriel, também foi para lá nos encontrar em dezembro porque ele também quer fazer medicina em Kursk e ia começar no final do ano. Ia.
A gente acabou descobrindo um problema no coração da Bruna. Ela passou muito mal na faculdade e descobrimos que ela tinha que colocar um holter [aparelho de monitoramento cardíaco]. Isso mudou tudo, e acabei perdendo as contas dos 90 dias de visto ao adiar a passagem por uma semana para ficar com Bruna.
Era um sonho, uma conquista da minha filha. Mas não quero que ela fique. Eu estava alugando esse apartamento pensando que meu filho também iria.
Tenho todos os papéis, estou levando tudo para o Brasil e vou tentar descobrir o que aconteceu, porque quieta eu não vou ficar. Para que não aconteça com mais ninguém.