'Pedi tanto para ele criar juízo, estudar', dizia mãe de Gleison
Folha visitou em junho a família do garoto assassinado e relembra o drama dessa mãe, grávida do sétimo filho
Notícia da morte de Gleison foi recebida com fogos em cidade palco do estupro no interior do Piauí
No casebre em que vivia com a família, em Castelo do Piauí, o adolescente Gleison Vieira da Silva, 17, era tido como o protetor das irmãs menores –gêmeas de seis anos e outras duas, de 9 e 12 anos.
O irmão mais velho, de 19 anos, têm sérios problemas mentais e, segundo a mãe, Elisabete Vieira da Silva, 35, já tinha tentado abusar sexualmente das meninas.
Gleison teria enfrentado o irmão e impedido o crime. Por essa razão, Elisabete sempre acreditou na inocência do filho. "Como é que ia estuprar as meninas, se não permitia que o irmão fizesse isso com as irmãs?"
O filho de Elisabete foi assassinado nesta quinta (17), em uma unidade para menores infratores em Teresina, após levar socos e pontapés.
Segundo o governo, os suspeitos do homicídio são os três menores que, ao lado dele, participaram de estupro coletivo em Castelo do Piauí e dividiam a cela com ele.
A Folha esteve na casa de Elisabete no dia 12 de junho, 16 dias depois de Gleison ter sido preso sob suspeita de participar do estupro coletivo de quatro adolescentes.
Localizado em uma rua sem pavimentação na periferia de Castelo do Piauí, o casebre de dois cômodos e chão batido fica a 500 metros do morro do Garrote, local em que ocorreu a barbárie.
Elisabete está grávida de quatro meses do sétimo filho. O atual marido, pai do bebê, é alcoólatra e vive de bicos eventuais. A única renda fixa vem do governo federal por meio do Bolsa Família e da aposentadoria de um salário mínimo do jovem deficiente.
Gleison estudou até o quinto ano do ensino fundamental, mas mal sabia ler e escrever. Sua assinatura nos autos policiais lembra a de criança em processo de alfabetização.
Segundo Elisabete, há anos o filho estava afastado da escola. Tinha frequentado ao menos três colégios na cidade, mas foi expulso de todos. Era tido como aluno violento.
A mãe não se lembra do ano em que ocorreu a última expulsão. Recorda-se, contudo, da violenta briga entre Gleison e outro rapaz. "Eles quase se mataram."
Ele era usuário de drogas desde os 13 anos. Começou com maconha, cachaça e, por fim, crack. Tinha várias passagens por roubo e uma internação de um mês e 45 dias numa unidade para menores.
"Pedi tanto, tanto para ele criar juízo, estudar, parar de andar em más companhias. A gente é pobre, mas não é bandido. Já passei muita fome, mas minha mãe nunca deixou a gente pegar nada que fosse dos outros. Ele tinha comida em casa."
No dia do estupro, 27 de maio, Elisabete conta que o filho passou o dia "na rua, sem fazer nada". Voltou para casa tarde da noite. Estava drogado e muito nervoso.
Havia muita movimentação de policiais na cidade à procura dos estupradores. Naquela altura, as meninas já haviam sido encontradas por moradores. Horas depois, na madrugada, Gleison foi apreendido por participação no crime. Estava dormindo.
Na primeira audiência dos adolescentes, em 11 de junho, Elisabete não quis ver o filho. Pediu que o seu marido fosse representá-la. "Sou hipertensa, estou grávida, não posso passar nervoso", justificou.
Na volta, o marido lhe contou que Gleison havia perguntado por ela e chorado muito. "Ele disse: 'eu devia ter escutado mainha'".
No dia da visita da Folha, Elisabete estava apreensiva com os boatos de que o filho tinha sido morto no centro educacional em Teresina.
Vizinhos chegaram a mostrar fotos de um corpo ensanguentado e perfurado. Também deram um recado: a população de Castelo não permitiria que o garoto fosse enterrado no município.
Ao relatar isso, Elisabete caiu no choro. "Como vai ser se eu não conseguir enterrar meu filho?", perguntava.
Gleison foi enterrado em Teresina. Em Castelo do Piauí, quando souberam da sua morte, moradores soltaram fogos em comemoração.