Av. Brasil S/N
Casal monta barraco em esquina nobre da zona oeste de São Paulo, cercado de casarões e lojas de decoração
"Quando me perguntam onde eu moro e respondo, as pessoas até mudam a fisionomia. Logo pensam que eu vivo em uma mansão", diz Carlos Bispo Alves, 39.
Sua "mansão" está apoiada em um painel assinado pelo paisagista Roberto Burle Marx e por seu sócio, Haruyoshi Ono, com data de 1987.
Fica na avenida Brasil, nos Jardins (zona oeste de SP), na altura da alameda Gabriel Monteiro da Silva, endereço de algumas das mais caras lojas de decoração da cidade.
São cinco metros quadrados na calçada com todos os pertences de Carlos e de sua mulher, a baiana Mara Silva Ramos, 30. Os dois se estabeleceram ali no ano passado. Há três meses, têm a companhia do cachorro Blade.
CILADA
Nascido e criado na Barra Funda (zona oeste), Carlos trabalhou como vendedor de diversos itens pelas ruas da cidade –até que caiu em uma "cilada", relata.
"Uma vez me ofereceram uma oportunidade de negócio para a revenda de travesseiros. Foi aí que perdi tudo", diz, sem entrar em detalhes.
Despejado do apartamento onde vivia com a mulher e as três filhas, no centro, não tinha como pagar um novo aluguel e foi para as ruas.
Segundo Carlos, o Conselho Tutelar tirou a guarda das três crianças e as levou para um abrigo. "As meninas são bem cuidadas e frequentam a escola diariamente. Nós as visitamos nos finais de semana", afirma Mara.
A filha mais velha do casal, B., fugiu do abrigo e ficou dez dias desaparecida. "Procurei minha filha por todos os lugares, até no necrotério, mas felizmente ela apareceu viva", diz a mãe. Agora, ela passa alguns dias com os pais e outros pelas ruas da cidade.
O casal vive de doações de moradores e comerciantes. "As pessoas deixam roupas e comida. Somos bem conhecidos na região."
CAPRICHO
O barraco nunca foi removido dali, mas um dia pegou fogo. Não se sabe como o incêndio começou, mas nele o casal perdeu boa parte das plantas que cultivava. "A gente gosta muito das plantas, ganhamos várias dos vendedores da av. Dr. Arnaldo."
Carlos e Mara chamam a atenção de quem passa, aliás, pelo capricho com que cuidam da casa. Ela acorda cedo para varrer a praça, enquanto ele cuida das plantas.
O banho é improvisado ao lado do barraco, com galões enchidos em uma obra próxima, e o banheiro é o do McDonald's da av. Rebouças com a r. Henrique Schaumann. "Lá todo mundo conhece a gente, nunca tivemos problema."
Num dos dois dias em que a reportagem esteve com o casal, Carlos e Mara se preparavam para ir ao abrigo onde estão as filhas mais novas, convocados para uma conversa.
Ele, de camisa e boina, decidia qual perfume usar. Ela escolhia que sapato iria calçar –"Carlos, cadê aquele sapato de salto?" E arremessava sapatos barraco afora.
Ao final, saíram os dois a pé por entre os casarões da avenida Brasil, à espera de um cobrador que os deixasse pular a catraca do ônibus para chegar ao centro da cidade.