Cobrança divide urbanistas e movimentos
Ocupação virou mercado informal, diz especialista; em prédio no centro, quem não paga tem que deixar o local
Morador de edifício diz que inadimplente é proibido até de receber visitas; movimento nega adotar a prática
MMM, MLSM, LMD, MSTS, MSTC, MMPT. Os movimentos de moradia que atuam em São Paulo parecem "uma sopa de letrinhas", afirma Evaniza Rodrigues, 46 anos e 28 de militância na UMM (União dos Movimentos de Moradia).
"Há muitas siglas novas, e movimentos não se reconhecem na sua identidade", diz. Outras lideranças antigas avaliam que a região central virou um "balcão de especulação imobiliária de pobre".
Para a urbanista Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e colunista da Folha, "não existe acesso ao solo que não seja mercantilizado".
"Diante da emergência habitacional, a ocupação virou alternativa à favela, um novo mercado informal", diz. "É mais barato morar numa ocupação do que num cortiço."
Ana Sherles Dantas da Silva, 31, estava grávida quando seu marido perdeu o emprego e eles foram despejados com seus dois outros filhos. "Percorri três movimentos sem-teto, mas, como estava sem dinheiro na época, só um deles me acolheu", diz.
Segundo a Prefeitura de São Paulo, o deficit habitacional da capital é de 230 mil moradias, e 89 mil famílias vivem em condições precárias.
A gestão Haddad (PT) prometeu entregar 55 mil moradias até o fim de 2016. Até agora, só entregou 8.394 (15,3%).
Segundo especialistas, contribui para a crise da habitação a combinação de aumento de aluguéis, aliado à disponibilidade de crédito, entre 2003 e 2013, e à redução das políticas habitacionais ao programa federal Minha Casa, Minha Vida.
"O Minha Casa Minha Vida não atende a boa parte da demanda atual de moradia, que não é de casa própria na periferia para famílias, mas de aluguel barato na região central para mães solteiras e idosos", diz Rolnik.
INQUÉRITO
O Ministério Público informou que as denúncias recebidas pela Promotoria da Habitação se referem a algumas das siglas que atuam na cidade e que o inquérito foi dividido entre o Ministério Público Federal, no caso de grupos de atuação nacional, e a Promotoria Criminal.
Em um depoimento, o morador de um prédio da FLM (Frente de Luta por Moradia) diz que, em caso de atraso do pagamento por três meses, coordenadores cobram uma espécie de multa de R$ 50 por mensalidade vencida e impedem o morador de receber visitas. Segundo o denunciante, quem falta a reuniões ou a protestos pode sofrer sanções como corte de luz e água.
Procurada, a FLM nega as práticas. "Nossas portas estão abertas para o Ministério Público", diz a coordenadora Heloísa Soares.
Para o sociólogo Edson Miagusko, autor de "Movimentos de Moradia e Sem-Teto de São Paulo" (Alameda Editorial), "qualquer tipo de cobrança que é obrigatória deixa de ser uma contribuição".
"Esse modelo se aproxima das formas antigas do leão de chácara dos cortiços, que dividia espaços e cobrava aluguel por coerção", diz.
No hall de uma das ocupações do MLSM em São Paulo, um cartaz escrito à mão avisava: "Senhores moradores, precisamos acertar a contribuição até 25/07/2015. Caso contrário, iremos pedir para deixar o espaço."