Desafios do País - Segurança pública
Bala perdida
Num cenário de disparada de roubos em grandes metrópoles como São Paulo e Rio e de pulverização dos homicídios pelo interior do país, a segurança ganhou evidência nos discursos de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).
De um lado, a campanha tucana apostou em uma ideia de grande aceitação popular, mas muito controvertida entre especialistas: a da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de homicídio, estupro e sequestro.
De outro, a petista, que rejeita essa ideia, enfatizou a necessidade de mudar a legislação para que a União amplie sua responsabilidade no combate ao crime, que, pela Constituição, cabe majoritariamente aos Estados.
Especialistas dizem que essas medidas estão longe de serem remédios ideais para conter a escalada de roubos (que em São Paulo sobem há 15 meses seguidos) ou para diminuir a taxa de homicídios em Estados como Alagoas --onde há dois anos superava a marca de 60 casos por 100 mil habitantes (a recomendação internacional é abaixo de 10).
Além disso, tais propostas não são de aplicação rápida --precisam de aval legislativo para alterar a Constituição.
O apelo popular sobre a redução da maioridade já foi medido. Em 2013, mais de nove em cada dez paulistanos se diziam a favor, de acordo com pesquisa do Datafolha.
De um lado, alega-se que os adolescentes já têm discernimento sobre os delitos. De outro, que as prisões vão dificultar sua recuperação.
Renato Sérgio de Lima, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança, afirma que só 10% dos menores de idade internados em instituições como a Fundação Casa, de São Paulo, praticaram atos contra a vida das vítimas.
O próprio programa de Aécio diz que os menores internados equivalem a menos de 3% da população prisional adulta --e que a maioria absoluta dos crimes que cometem não tem natureza hedionda.
Assim, independentemente de ser a favor ou contra a ideia tucana, os efeitos da medida tendem a ser restritos.
A responsabilidade maior da União na segurança pública --prometida agora por Dilma, após 12 anos de gestão petista-- tem melhor aceitação, mas a candidata não explica com clareza as ações práticas para chegar a esse resultado.
Especialistas dizem que os esforços deveriam ser destinados para mudar a forma fragmentada de atuar das polícias, e não para debater sobre quem terá mais poder de decisão.
No atual regime, a Polícia Militar faz patrulhamento e manutenção da ordem, enquanto a investigação cabe à Polícia Civil e à Polícia Federal.
Muitos estudiosos defendem a polícia de "ciclo completo" --que chegue ao local do crime, preserve a área, colete evidências, ouça testemunhas e investigue. Hoje, menos de 4% dos casos de homicídio são solucionados com investigação.
"As polícias batem cabeça'. Há uma disputa de competências que induz a antagonismos, e não à cooperação", diz Lima.
Para ele, a Presidência da República é a única instituição com força política para fazer com que tal reforma avance no Congresso Nacional.
Coordenador de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Julio Waiselfisz enfatiza ser preciso também uma reforma do sistema prisional e uma política federal para combater a pulverização dos homicídios em cidades menores.
Outra medida a cargo do governo central seria contribuir com a melhoria do índice de solução de crimes por meio de repasses federais condicionados a metas de produtividade.
O professor da Fundação Getúlio Vargas Theodomiro Dias Neto Dias alerta para a necessidade de ampliação de efetivo e fortalecimento da Polícia Federal, que já é de responsabilidade do governo central, para combate ao tráfico e controle de armas nas fronteiras.
Em 2013, a PF tinha cerca de 12 mil policiais no país --em São Paulo, só a PM tem mais de 80 mil.