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Cofre Virtual
Chineses deixam de lado o tradicional envelope vermelho e passam a usar smartphones para dar dinheiro de presente no Ano-Novo lunar
Enquanto jantavam com a família para comemorar o Ano-Novo lunar, na última quarta-feira (18), milhões de chineses tinham um motivo a mais para não se desgrudar de seus celulares. Para muitos, o smartphone virou um cofre virtual.
A antiga tradição chinesa do "hongbao" (envelope vermelho), de presentear amigos e familiares com dinheiro vivo no Ano-Novo, uniu-se a uma mania nacional da atualidade, o serviço gratuito de mensagens instantâneas Wechat (semelhante ao WhatsApp).
Graças a um aplicativo que permite associar o cartão bancário à conta do Wechat, os envelopes vermelhos migraram em massa para os celulares, gerando uma explosão de mensagens instantâneas recheadas de dinheiro.
Empresas aproveitaram o recurso para distribuir envelopes virtuais e cativar clientes. Mas foi o programa de Ano-Novo da TV estatal, recordista de audiência no país mais populoso do mundo, que chacoalhou os chineses --literalmente.
Os apresentadores pediam aos espectadores que balançassem os celulares, numa das funções do Wechat, para ter a chance de ser presenteado com envelopes vermelhos com dinheiro.
O serviço registrou nada menos do que 11 bilhões de chacoalhadas durante as quatro horas de programa. O pico foi às 22h34, quando o ritmo atingiu 810 milhões de balanços por minuto e 120 milhões de envelopes enviados.
Ao mesmo tempo, os usuários usavam o Wechat para enviar seus presentes de Ano- Novo, geralmente quantias terminadas em 8, número da sorte para os chineses. Mais de um bilhão de envelopes vermelhos foram enviados na virada do ano lunar, segundo a empresa, 200 vezes mais que no ano anterior.
Com 1,1 bilhão de contas registradas, metade ativa, o Wechat se tornou para a China mais que um serviço de mensagens instantâneas. Com funções semelhantes às do Facebook (proibido no país), é hoje a principal rede social da China.
Isso significa um enorme potencial para os negócios, principalmente com o desenvolvimento de recursos de pagamento e transferência de dinheiro. Cerca de 8 milhões de empresas têm contas oficiais no Wechat.
As maiores companhias de internet do país, como Tencent (dona do Wechat), Alibaba, Sina e Baidu lançaram promoções de Ano-Novo para ganhar uma fatia do maior mercado de pagamento eletrônico do mundo, que no ano passado movimentou algo em torno de R$ 1,2 bilhão.
Até o "Diário do Povo", jornal do Partido Comunista, aderiu ao fenômeno, enviando envelopes digitais com até 10 mil yuans (US$ 4.600) aos usuários de seu aplicativo de celular.
A explosão dos envelopes vermelhos eletrônicos gerou debate no país, entre os que aplaudiram a adaptação da antiga tradição aos tempos modernos e os que criticaram a obsessão por dinheiro.
"Não é à toa que alguns acham que os envelopes vermelhos digitais estão destruindo o Festival da Primavera", diz um artigo da agência de notícias oficial, Xinhua, citando o outro principal feriado chinês. "Imagine um filho que viajou mil quilômetros para passar o Ano-Novo em casa colado no celular e ignorando os pais".
Acredita-se que o hongbao tenha surgido na dinastia Qin (pronuncia-se tchin, 220-206 AC), quando dava-se de presente dinheiro preso a uma fita vermelha, cor que afasta os maus espíritos, segundo uma crença chinesa. Popular no Ano-Novo e em outras ocasiões especiais, o envelope vermelho também tornou-se uma forma de suborno.
Em 2014, o governo apertou o controle sobre as transferências de dinheiro pelo Wechat, como parte de sua campanha anticorrupção.