Entrevista - Camille Paglia
Chatas x coitadinhos
Mulher deve ser maternal e ter pena de homem, em vez de cobrar perfeição dele, provoca a ensaísta, que aqui se declara transexual e ataca as feministas
Camille Paglia, a mais antifeminista entre as feministas, aposta na revalorização do lado maternal da mulher como chave para um reencontro afetivo entre os sexos.
Para a ensaísta, enquanto a mulher de qualidade maternal exerce poder sobre os homens ao ter "pena de suas fraquezas", a mulher de perfil profissional exige deles, em casa, a perfeição do mundo dos escritórios.
Em entrevista à Folha, Paglia se declara transexual, critica a produção da arte contemporânea e diz que Madonna deve parar de competir com as mulheres mais jovens.
Folha - Você é feminista ou antifeminista?
Camille Paglia - Sou 100% feminista, mas discordo de boa parte das feministas atuais. Eu me formei estudando as sufragistas dos anos 1920 e 1930. Aquela geração não insultava os homens. Hoje, feministas culpam os homens por tudo! Exigem que mudem, que pensem e ajam como elas. É uma ideologia doente e neurótica. E não permite à mulher ser feliz.
Por que esse feminismo impede a felicidade das mulheres?
Na história da humanidade, mulheres viveram entre si e homens viveram entre si. Eram mundos separados. Agora que as mulheres entraram no mundo burguês do escritório, homem e mulher têm de convergir numa unidade de trabalho.
A infelicidade da mulher se deve à dificuldade em conectar vida no trabalho com vida emocional, na qual as habilidades exercidas no escritório não funcionam! Querem que os homens, em casa, se comuniquem com elas como suas amigas o fazem. Cobram deles a perfeição que a vida no escritório exige. Não dá. A mulher ganhou poder, e a sexualidade dos homens foi neutralizada. Se hoje seu trabalho pode ser feito por mulher, em que consiste sua masculinidade?
Quais as consequências disso?
Tenho me preocupado muito com a epidemia de jihadismo. A ideologia da jihad emerge numa era de vácuo da masculinidade. O Estado Islâmico usa vídeos para projetar esse romance: jovens podem abandonar suas casas, integrar a irmandade e se lançar numa aventura masculina na qual correm risco de morte. Parte desse fascínio entre jovens ocidentais é fruto de revolta e busca de sentido para sua masculinidade.
Como reverter o desencontro atual entre homens e mulheres?
Toda pessoa emerge do útero, e a segunda onda do feminismo cometeu um tremendo erro ao desvalorizar a esposa e a mãe. A imagem mitológica da mãe é poderosa para os homens no nível psicológico. Todo menino precisa se libertar de sua mãe. E todo homem que penetra uma mulher retorna ao útero. Por isso, há e sempre haverá ambivalência na relação homem-mulher. Ele deseja a mulher, e quer se livrar dela ao mesmo tempo. Muitos comportamentos machistas, sempre arrogantes e estúpidos, são uma maneira torta de o homem dizer que não está sob o poder da mulher, que não é mais bebê. O feminismo racionalizou esses e outros mecanismos que são consequência direta da biologia.
A biologia deveria ter mais espaço nas relações?
Claro! Não dá para acreditar nessa estupidez toda que deriva das ideias do [filósofo] Michel Foucault (1926-1984) e nega a existência dos gêneros, que seriam algo socialmente construído. Mulheres têm poder sobre homens, que são frágeis psicologicamente. Quando elas renunciam à maternidade, perdem parte enorme do poder. Mulheres que pedem aos homens que mudem são nervosas, derivativas, brutais. Mulheres de qualidade maternal entendem as fraquezas masculinas e têm pena deles. Tratam os homens com humor, entendem suas necessidades, nutrindo-os.
Como o debate sobre transgêneros se encaixa na dicotomia homem-mulher?
Vou dizer algo controverso, mas real: eu me identifico como transgênero. Quando era mais nova, o termo não existia. Eu tinha vergonha do meu gênero biológico, me sentia alienada por ser menina. Mas estou preocupada com a tendência de mudança do corpo por cirurgia. Se essa ideia estivesse no ar quando eu era jovem, teria sido convencida de que era a resposta para meus problemas com a sociedade e sua rigidez sexual. Eu teria cometido um engano terrível.
Por quê?
Transformar o corpo cirurgicamente é uma ilusão, porque todas as células permanecem com as informações do gênero biológico. Não é verdade que você mudou de gênero. Cada um tem poder sobre o próprio corpo --e sou libertária neste sentido. Mas ninguém me convence de que Chaz Bono, a filha transgênero da atriz Cher, é um homem. Ele precisa tomar hormônios todos os dias para ser o que é.
Hoje os gêneros são fluidos, há vários tipos de androginia. Adoro, mas essa flexibilidade não pode ser tratada como indício de saúde e progresso social. São sintomas de declínio da nossa cultura, que não tem produzido avanço nas artes, por exemplo. Os artistas estão obcecados consigo mesmos. O ego se tornou um trabalho artístico em si. É o novo narcisismo, assim como o é a obsessão por gênero e orientação sexual. Uma doença contemporânea.
O que acha de protestos-topless, como Marcha das Vadias e grupo Femen?
Essas meninas são incoerentes ideologicamente. Femen é algo fabricado, não tem consistência política. Uma mulher com belos seios e palavras desenhadas pelo corpo deveria estar apoiando a prostituição e a pornografia, não protestando contra a indústria do sexo. É ridículo, demonstra o nível de insanidade do feminismo radical.
A Marcha das Vadias é outra incoerência das meninas burguesas e universitárias de hoje. Fui uma das feministas que levantaram a bandeira pró-sexo nos 1990. Escrevi que Madonna se expunha ao mesmo tempo em que assumia a responsabilidade de se defender. Você tem o direito de se vestir como Madonna na rua às 3h da madrugada, mas tem de bancar as consequências, porque está dizendo: "Gosto de sexo, estou pronta para receber ofertas".
Por que você foi tão crítica ao ensaio recente em que Madonna mostra os seios?
Madonna é uma das figuras mais importantes da cultura contemporânea. Seus vídeos antigos são obras de arte. Ela tornou possível às mulheres assumir o comando de sua sexualidade. Achei o ensaio feio. Já vimos seu corpo no auge, e era magnífico. Por que expor o corpo na sua idade em fotos horrorosas? Foi uma desgraça artística.
Mulheres mais maduras não devem mostrar o corpo?
Se você o mostra de um modo belo e sexy, OK. Mas aquelas fotos eram embaraçosas. Madonna parecia uma prostituta decadente que não sabe que está na sarjeta. Ela é uma estrela global, não deveria competir com jovens. Precisamos deixar as jovens dominarem o mundo da beleza e buscar novos papéis para as mais velhas, criando personas para elas na cultura de hoje. Não há como congelar o processo de envelhecimento, quanto mais as mulheres lutarem contra ele, mais infelizes serão.
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folha.com/no1619320