Bolivianos buscam cursos para tornar suas oficinas lucrativas
Imigrantes apontam má gestão como a principal causa da precariedade do trabalho na costura
Especialistas afirmam que iniciativa é válida, mas questionam sua capacidade de afetar a indústria da moda
Quando a boliviana Cynthia Momani, 40, chegou em São Paulo em 2002, foi trabalhar em uma oficina de costura que vendia cada peça por R$ 1. Hoje, ela tem oficina própria em casa, e recebe em média R$ 15 por roupa, o triplo da média do mercado.
Para fazer esta mudança de mão de obra barata a empreendedora, Momani enfrentou um dos maiores desafios dos chamados "oficineiros": a falta de conhecimento que leva à má gestão.
"Eu perguntei como [os donos de oficina] calculavam o preço de uma peça. A maioria me respondeu que um amigo havia feito uma parecida e cobrado R$ 5", diz Luis Vasquez, 42, presidente da Associação de Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra (Assempbol).
A rua, no bairro do Brás, em São Paulo, concentra comércios de bolivianos.
Em 2013, a organização Aliança Empreendedora recebeu US$ 100 mil da Fundação Rockfeller para desenvolver um projeto com esse foco.
Ela treinou os grupos Si, Yo Puedo (sim, eu posso)--onde Momani estudou--, o Centro de Apoio e Pastoral do Migrante, da Igreja Católica, e o Centro de Integração da Cidadania do Imigrante, do governo estadual, para que elas pudessem oferecer cursos com este foco.
Quem procura as aulas tem dúvidas sobretudo em relação a precificação, formalização e controles administrativos e financeiros, diz Cristina Filizzola, da Aliança. Em 2014, foram capacitados 36 empreendedores bolivianos.
O baixo número, em comparação ao universo de 15 mil oficinas, reflete o medo dos oficineiros, acostumados com a fiscalização. Ainda assim, outras iniciativas vêm sendo desenvolvidas para ganhar a confiança do grupo.
A start-up Alinha começou as atividades em 2014 com a proposta de prestar uma consultoria gratuita para donos de oficina que queiram se regularizar.
Outra frente de trabalho, ainda em elaboração, é a criação de uma plataforma on-line em que as oficinas regularizadas possam oferecer seus serviços para confecções e marcas que queiram contratar costureiros com a garantia de que a legislação trabalhista está sendo respeitada.
Vasquez, da Assempbol, considera os cursos da Aliança "muito genéricos". Formado em administração de empresas, ele defende uma formação mais tradicional, como palestras sobre gestão.
No início do ano, ele procurou a Agência São Paulo de Desenvolvimento (ADE Sampa), entidade privada vinculada à prefeitura, para desenvolver um projeto conjunto.
Uma das propostas em discussão é de que as oficinas, depois de certificadas, sejam fornecedoras da prefeitura para itens como uniformes escolares, por exemplo.
Outra ideia é de que um grupo de 50 oficinas-modelo seja montado para receber treinamento e regularização em parceria com o poder público municipal.
O PROBLEMA É MAIOR
As oficinas são a base da cadeia da moda, cujo topo é dominado pelos lojistas. A costura é, historicamente, um trabalho pesado e de baixos rendimentos, diz a pesquisadora Beatriz Isola.
Para melhorar as condições da atividade, a estratégia do Ministério Público do Trabalho tem sido cobrar dos lojistas a responsabilidade por violações cometidas por seus fornecedores ou terceirizados. A efetividade do plano, contudo, é questionada, porque não teria feito nada para orientar os oficineiros.
Luis Antonio Camargo, procurador-geral do trabalho, concorda com a necessidade de orientação, mas diz que ela não cabe ao órgão.
Para a pesquisadora Isola, o problema da precariedade não será solucionado com capacitação. Ela sugere que a conscientização do consumo pode ser um caminho melhor.
Para Juana Kweitel, da ONG Conectas Direitos Humanos, é preciso superar a visão do imigrante como mera força de trabalho em mercados que não interessam a brasileiros.