Análise
Revolução digital pode reinventar o emprego contemporâneo
Desde o fim do século 18 no Reino Unido, revoluções industriais tentam realizar o sonho do escravo mecânico. Agora, a digitalização dos processos de manufatura promete criar uma nova revolução, com ideias como impressão 3D, robôs colaborativos e serviços acessíveis online.
Enquanto a capacidade das máquinas cresce exponencialmente, a de seus operadores continua, em linhas gerais, não muito diferente do que era em tempos pré-históricos. Até agora essa simbiose entre forças produtivas correu bem e, ao longo de todas essas transformações, o número de empregos sempre aumentou.
A revolução atual, no entanto, não promete ser tão amigável. Robôs e algoritmos espalhados por funções de todos os níveis ""de garçons a cirurgiões"" tendem a uma eliminação de postos de trabalho constante e permanente, em ritmo jamais visto.
Muitas vezes desprezado como falácia tecnófoba, esse medo vem ganhando popularidade. Como toda revolução tecnológica, ela é superestimada a curto prazo para ser subestimada a longo prazo.
E há certo exagero no otimismo que defende que a tecnologia cria empregos. Por mais que existam novas profissões, boa parte das novas oportunidades já existia há mais de meio século. Para piorar, os novos negócios tendem a ser mais "eficientes", e demandar cada vez menos funcionários.
Mas até que ponto o trabalho humano é, de fato, importante? Com a popularização da igreja calvinista, ele passou a ser considerado um valor, não um fardo –como era visto até a primeira Revolução Industrial.
Max Weber chamou essa ideologia de ética protestante. De acordo com ela, só o trabalho, não a compaixão ou a devoção religiosa, levariam à salvação da alma. Sua influência é tão grande atualmente que a primeira pergunta que se faz a um indivíduo é relacionada a seu emprego.
A crença irracional e dependência no trabalho leva muita gente a se escravizar em tarefas desprovidas de propósito, identidade, autonomia ou criatividade.
Excomungados dessa seita, poucos desempregados usam seu tempo para desenvolver atividades sociais, aprender ou fazer esportes. A maioria, deprimida, vê TV ou dorme enquanto espera uma nova "oportunidade."
Durante a Depressão de 1929, o economista John Maynard Keynes percebeu que a condição poderia ser transitória, e que uma única saída possível estaria em uma semana de 15 horas de duração, que ele imaginou que aconteceria por volta de 2030.
Durante muito tempo sua proposta foi criticada, mas à medida que se chega próximo ao prazo, percebe-se que sua opinião tem fundamento.
Assumindo que a previsão de Keynes se concretize, pode-se esperar que os empregos demandem um conhecimento e preparo que provavelmente ocupará boa parte da semana. O resto poderá ser investido em saúde, educação e outras atividades para as quais ninguém parece ter tempo hoje, como política, filosofia e cidadania.
Um ambiente que não dê tanta importância ao emprego não precisará ter gente comutando de casa para o trabalho todos os dias, e tampouco necessitará de grandes escritórios. Isso pode mudar completamente a dinâmica das cidades, grandes e pequenas, à medida que a semana de trabalho seria substituída por outra mais flexível, remota e inclusiva.
Sob esse aspecto, a sociedade atual pode se tornar bastante parecida com a do século 19, marcada por trabalhos episódicos em diversas atividades, nenhuma central, em que a própria ideia de desemprego não faria o menor sentido.