O que sai desse mato?
O Brasil anuncia neste mês suas metas para ajudar a reduzir o aquecimento global; mas o que esperar de um país que só promete o pleno respeito da lei florestal para daqui a 15 anos?
O Brasil é o herói das florestas tropicais, mas continua campeão de desmatamento no mundo.
Na Amazônia, a destruição recuou mais de 80% em uma década, mas empacou no limiar de 5.000 km² por ano. No cerrado a redução foi menor, de 54%. Ainda se devasta a savana brasileira à taxa de 6.000 km² anuais –área maior que o Distrito Federal.
No corte raso das matas, madeira, folhas e raízes se convertem em gás carbônico (CO) e outros gases do efeito estufa (GEE). Com a contenção do desmatamento, que já representou 70% das emissões brasileiras de GEE, essa fatia encolheu para algo entre 15% e 35% do total, dependendo de quem faz a conta –mas ainda figura entre as principais contribuições do Brasil para aquecer o clima.
Aqueles 11 mil km² destruídos a cada ano não são o preço a pagar pelo desenvolvimento do país. Esta é a conclusão inequívoca do Fórum Desmatamento Zero que a Folha realizou segunda e terça-feira (21 e 22).
A falsa oposição entre progresso econômico e preservação há muito deixou de nortear as ações do governo. No entanto, ele ainda se mantém na defensiva quando se trata do desmatamento.
Num dos painéis mais animados do seminário, Thelma Krug –pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) com larga experiência representando o país no IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima)– enfatizou a pequena participação da mudança do uso da terra (leia-se: desmate) no total das emissões mundiais. Só reduzir a perda de florestas não bastaria para contê-las.
Essa minimização do problema combina com a posição oficial do Brasil, que só aceita o conceito de desmatamento "ilegal" zero.
Ela foi rebatida no painel por Raoni Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais): "As metas já antecipadas pelo governo são insuficientes. Desmatamento ilegal zero não significa necessariamente menos emissões, pois ainda há 920 mil km2 que podem ser desmatados com autorização", disse.
LIMITE DE SEGURANÇA
É nessa posição ambígua que o país anuncia neste mês suas metas para a Conferência de Paris, reunião da ONU que vai de 30 de novembro a 11 de dezembro e deve produzir um acordo sobre a mudança do clima que substitua o ultrapassado Protocolo de Kyoto, firmado em 1997.
Cada uma das 195 nações que participam da negociação tem de apresentar suas "contribuições pretendidas e nacionalmente determinadas" (INDCs, sigla em inglês).
Somadas, essas promessas deveriam ser suficientes para manter o aquecimento da atmosfera em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais, mas os INDCs até aqui divulgados indicam que ele ultrapassará a marca de 3°C.
No passado, o Brasil chegou perto de lançar na atmosfera 3 bilhões de toneladas de CO ou outros GEEs convertidos a esse gás-padrão (abreviadamente, 3 GtCOeq).
Caminhou, contudo, para uma posição confortável: em 2013, segundo o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg, iniciativa da rede de ONGs Observatório do Clima), houve emissão de 1,59 GtCOeq.
As emissões brasileiras, porém, continuam subindo em setores como agropecuária e o energia. Se nada mais for tentado, voltariam em 2030 aos 3 GtCOeq.
Reduzir o desmate a zero permitiria subtrair mais de 500 milhões de toneladas dessa conta a cada ano.
SEM COMPROMISSO
Em junho de 2014, a presidente Dilma Rousseff explicitou seu fraco compromisso em favor do clima mundial. Ao adotar o qualificativo "ilegal" na expressão "desmatamento zero", sinaliza que só tem expectativa de ver a legislação florestal plenamente respeitada daqui a 15 anos.
O governo propõe que a destruição tolerada seja compensada com o sequestro de carbono na restauração de 120 mil km² de matas (ao crescer, árvores retiram CO do ar pela fotossíntese).
"A meta de restauração e de florestas plantadas já é a tendência do agronegócio, e não esforço ambiental", ressalva Raoni Rajão, da UFMG.
Há propostas bem mais audaciosas na praça. O Observatório do Clima, baseado nos números do Seeg, traçou um plano detalhado para não só impedir que as emissões nacionais cresçam como também para diminuí-las.
A rede de ONGs calcula, setor por setor, como chegar a 1 GtCOeq em 2030, quando cada brasileiro emitiria pouco mais de 4 toneladas anuais de CO –cifra considerada factível também pelo climatologista Carlos Nobre.
O gargalo são as políticas públicas. A dificuldade de reconduzi-las ao rumo certo parece ser a razão tanto da resistência de Brasília em adotar metas mais ambiciosas para desmatamento quanto do ceticismo de alguns especialistas com sua viabilidade.
Um deles é Gilberto Câmara, que já presidiu o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e hoje lidera um esforço para modelar com computadores o uso da terra no Brasil e suas consequências para o clima.
"Pedir o céu e jogar para a plateia é fácil", diz Câmara. "Difícil é fazer como no caso da redução do desmatamento: estabelecer uma política dura e mantê-la contra todos os ventos e eventos."
O governo Dilma Rousseff tem uma escolha a fazer.
Pode ousar com uma meta de desmatamento zero de verdade, enfrentar a ventania doméstica e projetar o Brasil em Paris como nação que faz mais do que o previsível para descarbonizar a economia.
Pode, também, ficar deitado no berço nada esplêndido do desmatamento ilegal zero e tolerar 11 mil km² de devastação improdutiva a cada ano.
NA INTERNET
Assista ao vídeo em
folha.com/152611
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GLOSSÁRIO
PROTOCOLO DE KYOTO
Primeiro tratado para reduzir a dispersão de gases do efeito estufa que, assinado em 1997, previa a queda de 5,2% das emissões entre 2008 e 2012; 128 dos 192 países assinaram o acordo
SEQUESTRO DE CARBONO
É a absorção de gás carbônico (CO2) da atmosfera. As florestas praticam a forma mais comum de sequestro de carbono. Cada hectare de mata (área de um campo de futebol) retira até 200 toneladas de gás do ar
GASES DO EFEITO ESTUFA
São os que dificultam a dispersão da radiação solar que é absorvida pela terra e geram o aquecimento global. Estão nesse grupo o CO2 (gás carbônico), CH4 (metano) e o N2O (óxido nitroso), entre outros
INDC
É o conjunto de metas de redução de gases do efeito estufa que um grupo de 194 países apresentarão durante a Conferência do Clima de Paris, em dezembro