Meu momento olímpico
Ficou no quase
Meligeni fala sobre a confusão feita pelo COB, que quase o proibiu de ir para os Jogos de Atlanta
O sonho de todo atleta é representar seu país na Olimpíada. Os Jogos [de Atlanta-1996] estavam chegando e, por estar perto do corte entre entrar ou não, minha ansiedade foi aumentando.
Comecei a jogar mais campeonatos para ganhar ranking e me garantir. Jogava e ficava imaginando os primeiros atletas que encontraria na Vila Olímpica e falaria, os técnicos que conheceria, como seria meu quarto e mais que tudo isso: teria a real chance de representar o país que eu escolhi para viver e defender.
Quando chegou a lista [64 tenistas], fiquei fora por um. Sabendo que alguns nomes estavam machucados e outros não jogariam por suas decisões pessoais, fiquei feliz. Na minha cabeça eu tinha entrado. Merecidamente, representaria o Brasil.
Para minha surpresa e tristeza, recebemos uma ligação do COB [Comitê Olímpico do Brasil] que dizia que, por ter ficado fora da lista, eu não iria. No primeiro momento, meu técnico Ricardo Acioly achou que era brincadeira.
A fala ríspida da pessoa do outro lado disse: "o COB não vai aceitar convites em nenhum esporte, o Meligeni está fora". A nossa resposta foi: "não é convite, é merecimento. Na primeira lista estão todos os atletas, a lista vai andar porque muitos não querem ou podem jogar. O Fernando entrou". De uma forma rude, desrespeitosa e sem um pingo de brasilidade, o assunto foi encerrado.
Não preciso descrever aqui minha raiva, decepção e, mais que isso, perguntava se valia a pena todo o esforço de ter virado brasileiro, defendido um país que não me queria.
Depois de muito argumentar, me revoltar, achar vergonhoso, fui salvo por um ser incrível chamado Braguinha [o empresário Antonio Carlos de Almeida Braga]. Ele ligou para o Carlos Nuzman e, com sua força, sabedoria e justiça mostrou, ou melhor, literalmente obrigou que a injustiça fosse desfeita.
Como no velho jargão popular: "passarinho que come pedra sabe o...". Recebi como se fosse uma decisão do COB: iriam me deixar ir. Eu, na minha linda manifestação de "me engana que eu gosto", agradeci e fui jogar.
A história nos Jogos todos conhecem. Fui ganhando de caras incríveis e, para mim, imbatíveis. Depois de quatro vitórias contra atletas mais bem ranqueados, por duas vezes falhei. Perdi do espanhol Sergi Bruguera na semifinal e do indiano Leander Paes na disputa pelo terceiro lugar.
Fiquei no quase.
Agradeço todos os dias ter representado o país que amo, ter dado meu sangue e ter aprendido tanto. Graças a esse quase, aprendi a lutar pelos meus direitos, peitar o adversário que for, perceber que na política esportiva apenas os que aceitam tudo conseguem migalhas. Aprendi que minha luta e lealdade valem muito mais que palavras.
Hoje sou feliz. Aceito que fui responsável por aquele quase que depois me deu um glorioso título no Pan de Santo Domingo-2003, no último jogo da minha carreira.
Ah, e sabe quem entregou minha medalha de ouro?
Ele. Sim, esse mesmo que vocês imaginam.
Obrigado.
-
Fernando Meligeni, 44, tenista
Olimpíada: Atlanta-1996
Feitos: Obteve o melhor resultado do tênis brasileiro em Olimpíadas; venceu Stefano Pescosolido (ITA), Albert Costa (ESP), Mark Philippoussis (AUS) e Andrei Olhovskiy (RUS), perdeu para Sergi Bruguera (ESP) e Leander Paes (IND) e ficou em quarto lugar