Longa expõe absurdo do fundamentalismo
Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, 'Timbuktu' mostra, com visão original, cidade barbarizada por ocupação
Cineasta mauritano Abderrahmane Sissako pressiona os limites do imperdoável, sem nunca cruzá-los
Oito meses antes dos ataques à redação da revista "Charlie Hebdo", em Paris, o filme "Timbuktu" abria a mostra competitiva do Festival de Cannes. No seu âmago, uma discussão que tomaria conta dos noticiários: o tratamento satírico à imposição de costumes feita por regimes fundamentalistas islâmicos.
O diretor mauritano Abderrahmane Sissako é corajoso, mas não é bobo. Pressiona os limites do que pode ser imperdoável sem nunca cruzá-los. No longa, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, ele mostra como a cidade de Timbuktu, no Mali, é barbarizada pela ocupação de militares extremistas muçulmanos.
Sissako procura enxergar o absurdo e o ridículo por trás desses ocupantes, que proíbem música, futebol e símbolos de comunhão religiosa em nome de uma salvação --que nem eles compreendem.
"O cinema para mim é uma janela que convida o espectador a entrar, enquanto o humor é a porta para que possamos respirar um pouco fora de casa quando tudo ficar insustentável", filosofa.
Apesar do conteúdo polêmico, o cineasta tinha a ideia de filmar em Timbuktu, em 2013. Um carro-bomba com três terroristas suicidas explodiu na cidade, matando duas pessoas e esfriando o ímpeto de Sissako.
"O atentado mudou tudo. Não podia correr o risco de levar uma equipe estrangeira para um país que não garantia nossa segurança", conta. "Decidi ir para a Mauritânia, onde tive apoio do governo."
TRÊS SACOS DE ARROZ
Tratados como adolescentes confusos e facilmente manipulados, os fundamentalistas do filme representam uma visão ousada e original desses personagens, transitando entre engraçado e assustador.
"Não adianta banir a música, a arte ou o futebol. Se uma mulher é chicoteada, ela usará o choro como um cântico", conta o diretor, que transformou até a derrota do Brasil para a França, na Copa de 1998, em assunto.
Numa cena, dois guerrilheiros discutem e um deles fala que o Brasil "vendeu a Copa por três sacos de arroz, porque são pobres". "Não creio que o futebol é político, mas acho fascinante como as pessoas discutem o assunto de forma acalorada", diz Sissako. "A França ganhou porque tinha um bom time. Foi só uma brincadeira."