Professor encontra obras de Padre Jesuíno
Peças descobertas ao acaso durante reforma de igreja em Itu pertencem a artista expoente da arte sacra paulista
Pinturas do século 18 serão expostas na cidade; religioso foi tema de livro escrito por Mário de Andrade
Uma curiosidade de infância, da época de coroinha, levou o professor Luís Roberto de Francisco, 45, a descobrir em Itu (101 km de São Paulo) obras inéditas de Padre Jesuíno, tido como o principal artista colonial paulista.
Ele sempre quis subir na torre da igreja matriz Nossa Senhora da Candelária para conhecer o mecanismo do relógio. Quando o fez, anos mais tarde, em 2000, durante uma reforma da igreja, notou pinturas em tábuas que envolviam o aparelho.
"Vi assim, por dentro, rostos pintados olhando para mim. Pensei: 'Meu Deus, mas isso é Padre Jesuíno!'"
A referência é conhecida entre os pesquisadores, pois o religioso Jesuíno Francisco de Paula Gusmão, que adotou o nome de Padre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819), é um expoente da arte sacra no Estado de São Paulo.
Em 2011, as peças foram removidas e guardadas. Mas, há três meses veio a confirmação do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que supervisiona o restauro da igreja, sobre o valor artístico do material.
Não só as pinturas eram de fato de Jesuíno, como são provavelmente as suas únicas obras sem retoques conhecidas, diz Carlos Gutierrez Cerqueira, pesquisador do Iphan e que há 30 anos estuda a obra do religioso.
Contemporâneo do escultor mineiro Aleijadinho, Jesuíno integra o rol dos principais artistas do período colonial do país, diz Percival Tirapeli, docente do Instituto de Artes da Unesp e pesquisador da pintura paulista.
BARROCO
O escritor Mário de Andrade (1893-1945) registrou a obra do padre, também escultor, músico e arquiteto, na biografia "Padre Jesuíno do Monte Carmelo" (1945).
Não há documentos que deem pistas de como era a obra original. A principal hipótese é que as tábuas tenham sido descartadas na segunda metade do século 19, quando o barroco havia perdido sua relevância artística.
As peças resistiram não só ao descarte, mas à camada de cal e à chuva que escorria do telhado velho para o relógio.
Das peças, é possível identificar com nitidez três personagens, possivelmente uma cena da crucificação de Cristo.
A descoberta provocou uma "caça ao tesouro" dentro do templo. Ao todo, foram achadas 17 tábuas, tanto no relógio como em degraus de escada ou no assoalho do coral --parte será exposta na cidade nesta quarta-feira (25).
O restauro é feito principalmente no altar-mor da igreja, ao custo de R$ 6,8 milhões custeados pelo BNDES e prefeitura. É que, a exemplo das tábuas descartadas, a sociedade ituana do fim do século 19 cobriu de tinta cinza detalhes do barroco do altar-mor e de outros altares da igreja.
O trabalho minucioso de retirada da tinta tem revelado cenas pintadas direto na madeira e cores originais, como detalhes em tons azul-claro, imitação de mármore vermelho e o dourado das folhas pintadas com ouro, hoje opacas pela poeira e fuligem.
"É possível que a gente encontre outras surpresas", diz o restaurador Julio de Moraes.