Análise
Com Inezita, a música caipira teve em sua defesa figura com porte de rainha
Cantora e apresentadora morta no domingo (8), aos 90, valorizava a poesia simples e natural
Inezita não é uma, são várias. Primeiro a cantora, desde menina se acompanhando ao violão. Ao fazer seu primeiro disco, em 1951, foi assim: ela sozinha no estúdio, no Rio, com seu violão e a voz já poderosa, afinada, agradável.
Depois veio o cinema. Apareceu em sete filmes, de um --"Ângela"-- sendo a protagonista, que lhe valeu um Saci, maior prêmio de então.
Mas desde quando, em fazenda de parentes do interior, se embevecia observando os violeiros do mato tocando músicas que um aprendia dos outros, enveredou pelo campo da pesquisa do folclore.
Foi para o Nordeste, foi para o Sul gravar "Prenda Minha" e outros hinos gaúchos, fazendo de seu disco uma referência da instalação dos CTGs (Centros de Tradições Gaúchas), hoje o mais importante movimento de cultura popular organizada do país.
A figura bonita, a voz forte, a boa formação levaram-na para a frente das câmeras de televisão, culminando no programa "Viola, Minha Viola", que apresentou, de maneira personalíssima, por 35 anos, até há poucas semanas na TV Cultura de São Paulo.
Crítico musical importante, Zuza Homem de Mello vê em Inezita a resistência --fiel à ligação com a música caipira, manteve-se coerente com ela, desviando dos apelos do mercado, da moda do dia, do "politicamente correto".
O que defendia não é pouco, mas sim o registro poético e musical de um largo período da vida de boa parte do nosso povo, esse habitante do Centro-Sul brasileiro, com reflexos no Centro-Oeste e no Nordeste. Por causa da música caipira que Inezita tanto defendia, o camponês dessa parte do país é um dos que mais tem preservada sua história, seus hábitos, gostos, costumes, virtudes e defeitos.
Tendo tido boa formação formal (fez curso de bibliotecária), Inezita era segura em suas opiniões, principalmente nisso de que a música caipira é um tesouro cultural que precisa ser preservado, sem que isso indique apenas uma louvação do passado e uma atitude de imobilismo.
POESIA SIMPLES
Violeiro, arranjador e maestro, Ivan Vilela, da cadeira de viola caipira da USP, diz que a globalização, que num primeiro momento iguala culturalmente o mundo, tem efeito contraditório, na medida em que buscando uma uniformidade, acaba valorizando o que é diferente, puro, original.
Inezita também pensava assim: quanto mais massacrante for a cultura de fora, mais importante fica a poesia simples e natural de compositores como os que, por quase 90 anos (contados do primeiro disco caipira gravado, em 1929), criaram as peças que fazem o repertório do "caipira", esse pedaço do "sertanejo" que tem características próprias conforme a região.
Sertanejo vem de sertão, e sertão o Brasil todo tem (ou tinha), diz Zuza Homem de Mello. Cada canto tem seu canto, ficando o caipira para esse ecossistema que se irradiou de São Paulo e Minas para todo o país e que teve em sua defesa uma figura com porte de rainha.
Lá de onde estiverem, todas as Inezitas estarão torcendo pelos artistas do Brasil, mesmo esses que, por se apresentarem com simplicidade e com a botina suja de pó, às vezes se tornam alvo de má vontade e preconceito, como aconteceu, e acontece, com os nossos caipiras.