É tudo verdade
'Sete Visitas' reinventa arte de entrevistar
Em jogo de inversão, documentário põe Eduardo Coutinho e mais seis profissionais interpelando uma só pessoa
Entrevistas podem ser explícitas ou implícitas, reveladoras ou até mesmo enganadoras. Como é quase sempre por meio delas que personagens e relatos são apresentados, o jogo de perguntas e respostas no documentário é um recurso narrativo tão crucial quanto os diálogos na ficção.
"Sete Visitas" decifra o funcionamento dessa arte por meio de situações nas quais o banal não se distingue do extraordinário.
O projeto concebido por Douglas Duarte é composto por registros de sete encontros. Em cada um, a mesma personagem conta um pouco de si e de suas experiências por meio de perguntas feitas por vários interlocutores.
A astúcia aqui consiste numa inversão. Em vez de escutarmos a voz de um entrevistador, em geral fora de campo, indagando um ou mais entrevistados, há uma só pessoa entrevistada por vozes distintas e sob múltiplos ângulos.
Quase todos os entrevistadores utilizam o método em suas profissões. Por ordem de entrada, as "Sete Visitas" são a escritora Ana Paula Maia, o documentarista Eduardo Coutinho (1933-2014), as terapeutas Mônica Oliveira e Letícia Tui, o psiquiatra Moises Groisman, o juiz Fábio Uchoa e Clislaine Fernanda dos Santos, filha da entrevistada, Silvana Socorro de Almeida.
Assim, o teor das questões varia conforme a perspectiva e o interesse de quem faz as perguntas. O primeiro efeito dessa variação surge nas múltiplas respostas de humor e emoção de Silvana ao que vem à tona nas conversas.
Apesar dos sofrimentos, abandonos e carências acumuladas por Silvana, o perfil dela é bastante comum. Sua face e modo de vestir assemelham-se aos de milhões de brasileiros que vemos diariamente nas ruas e em ônibus. A única diferença é que nunca ficamos sabendo a história dessas pessoas.
Vivaz e curiosa, Silvana reage de modo ativo aos entrevistadores. Abre-se à investigação alheia, mas também quer saber o que fazem, quantos anos têm, do que gostam. A conversa ganha corpo, ela deixa de ser apenas objeto e torna-se sujeito na conversação.
Uns entrevistadores a alcançam e a seduzem, outros contentam-se a esquadrinhá-la, submetê-la a um perfil, diagnosticá-la e, assim, perder de vista a pessoa.
No fim das contas, "Sete Visitas" é um palco onde Silvana encarna diversos personagens, veste-se e despe-se de acordo com os desejos de quem faz as perguntas.
E se encerra como uma derradeira homenagem a Coutinho, ao demonstrar que o mestre do documentário era não apenas um sagaz entrevistador, mas, sobretudo, alguém que sabia escutar.