Espetáculo narra relação de pai com filho deficiente
Monólogo minimalista é baseado na obra do escritor japonês Kenzaburo Oe
Peça 'Oe' se inspira em romance autobiográfico do autor, que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1994
A obra do japonês Kenzaburo Oe, Nobel de Literatura em 1994, ficou marcada pela deficiência mental do filho mais velho --que, devido a uma má formação no cérebro, só aprendeu a falar aos seis anos de idade.
Mas não é dramático o modo com que o autor narra sua relação com o garoto. "Oe diz que não existem questões pessoais, porque elas são atravessadas por questões históricas, sociais, ideológicas e até espirituais e cósmicas", diz o ator Eduardo Okamoto.
Ele está em cena no monólogo "Oe", adaptação teatral para a obra do japonês que estreia nesta segunda-feira (4), em São Paulo, após uma passagem pelo Festival de Teatro de Curitiba.
A peça, dirigida por Marcio Aurelio, é baseada especialmente no romance autobiográfico "Jovens de um Novo Tempo Despertai!" (1983).
Apesar da deficiência, Hikari, o filho mais velho de Kenzaburo Oe, desenvolveu uma grande acuidade auditiva. Aprendeu a falar ouvindo o som de pássaros, começou a tocar piano e hoje é um respeitado compositor.
"É muito bonita a maneira como Oe escreve sobre o filho, porque ele mistura autobiografia, ficção, mitologia e ensaio literário."
A montagem, porém, não repete a narrativa do escritor. A partir da sua obra, o dramaturgo Cássio Pires criou 28 cenas, que representam ideias e imagens criadas por Oe.
No palco, Okamoto narra, mais do que dramatiza, a relação do pai com o filho deficiente. A partir daí entram em cena memórias, sonhos e situações de afeto e rejeição.
Os gestos do ator em cena lembram os movimentos do butô, dança tradicional japonesa --Okamoto chegou a fazer um estágio no país asiático no estúdio de Kazuo Ohno (1906-2010), mestre e um dos criadores do gênero.
Mas pouco é dito diretamente. Assim como o cenário limpo --composto apenas de um tapete, um banco e alguns poucos objetos--, a peça sugere as ações e os sentimentos, deixando espaço para a imaginação do espectador, comenta Okamoto.
"Boa parte do espetáculo se dá não só naquilo que é dito, mas também no silêncio."
Há também espaço para derivações filosóficas, como uma passagem que faz referência ao pintor e poeta inglês William Blake (1757-1827).
"A ideia é partir de uma narrativa singular para falar de questões da humanidade como um todo", afirma o intérprete. "A obra de Oe, como acontece frequentemente na cultura japonesa, se equilibra entre o singular e o universal."