Crítica Livro/Biografia
Narrativa oscila entre tom vulgar e rebuscado e traz ideias arbitrárias
Quando se abre um livro de mais de 600 páginas, as primeiras impressões são decisivas para moldar a atitude do leitor inclinado a percorrê-las. São particularmente decisivas quando o livro em questão se insere em um campo temático já bem demarcado por interpretações clássicas e acesas controvérsias.
"Bolívar: O Libertador da América", escrito pela jornalista peruana, radicada nos EUA, Marie Arana, abre-se com uma narrativa quase literária, carregada de adjetivos e imagens que recompõem a cena com detalhes.
"Quando ele surgiu da floresta mosqueada de sol, mal conseguiram discernir a figura sobre o magnífico cavalo." A passagem refere-se à entrada do general em Santa Fé de Bogotá, em 1819, quando as campanhas pela libertação do Vice-Reino de Nova Granada estavam avançadas.
É o momento escolhido pela autora para apresentar ao leitor um primeiro retrato da personagem, em sua compleição física, seus gestos, seus prazeres e sua admirável tenacidade. "Viúvo e solteirão convicto, era também um mulherengo insaciável."
As façanhas políticas de Bolívar são arrematadas com relatos sobre as mulheres com quem se envolveu. Os relatos baseiam-se em fontes primárias e bibliográficas referenciadas nas notas do fim do livro, mas não são explicitadas, indagadas ou contrapostas no corpo do texto.
Por se tratar inevitavelmente de uma biografia histórica, a vida de Bolívar é entremeada com informações sobre "sua época". Essa abordagem privilegia marcos oriundos de trajetórias individuais.
Por exemplo, ao lançar luz sobre 1783, o ano em que nasceu Bolívar, a obra pinça no Vice-Reino do Peru a figura do curaca que, páginas adiante, volta a ser mencionado como "sujeito que se denominava Tupac Amaru 2º e alegava ser descendente direto do último regente inca".
Nas poucas linhas dedicadas ao tema, a autora conclui: "No final das contas os Exércitos reais esmagaram a rebelião, o que custou aos índios umas 6.000 vidas". Séculos de tensão entre índios, espanhóis e criollos que vieram à tona na revolta liderada por Tupac Amaru foram assim resolvidos no livro.
A narrativa engrena na medida em que Bolívar se embrenha nas campanhas militares. Ainda assim, tece conclusões arbitrárias, como a de que Bolívar "institucionalizou" o caudilhismo latino-americano ao conceder a seus generais poder político sobre regiões recém-libertadas.
O livro tem problemas de tradução e a narrativa oscila entre a linguagem rebuscada e o estilo vulgar. Mas guarda passagens bem resolvidas, sobretudo no que diz respeito à densa trama dos anos de campanha militar. Talvez nesse ponto possamos reconsiderar as primeiras impressões.
BOLÍVAR
AUTORA Marie Arana
TRADUÇÃO Alexandre Morales
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 89,90 (608 págs.)
AVALIAÇÃO regular -