Bons atores pesam mais do que sotaque, afirma José Padilha
Para diretor da série 'Narcos', escolha reflete a verdadeira história de Pablo Escobar, com 'gente de todo o mundo'
Segunda temporada da série sobre Pablo Escobar foi confirmada para 2016; Netflix busca atender América Latina
Germán Yances se desarmou aos poucos diante de "Narcos". "Minha primeira reação, como colombiano, foi de recusa", diz o ex-colunista de TV dos jornais "El Tiempo" e "El Espectador".
Ainda é forte no imaginário da Colômbia "El Patrón del Mal" (2012), seriado local, também exibido pela Netflix no Brasil, sobre Pablo Escobar. Nele, o ator Andrés Parra "reinventou a imagem" do traficante, segundo Yances.
O crítico diz que superou a "barreira linguística" do brasileiro Wagner Moura para Escobar no segundo episódio.
"É preciso entender que a série é internacional. A história é bem contada. Se alguém a vê em inglês ou na Itália, o sotaque não é um problema."
No Brasil, o público estranhou a pronúncia do ator, mais lenta e impostada que a dos colegas –o elenco reúne colombianos, chilenos e mexicanos, entre outros.
No site da revista "Época", uma resenha (elogiosa, diga-se) considerou a questão linguística um "tropeço" de "Narcos". Nas redes, o Escobar de Moura virou meme.
O site satírico "Piauí Herald" brincou que a dublagem para os EUA seria feita pelo treinador Joel Santana –cuja pouca intimidade com o inglês é famosa. O também jocoso "Sensacionalista" noticiou: 90% dos brasileiros que criticam Moura pedem "Cueca-Cuela" em viagens.
À Folha, o diretor José Padilha, produtor-executivo da série, disse que reunir numa produção grandes atores da América Latina era mais importante que o sotaque deles.
"A questão passa a ser: queremos ver a atuação de determinado ator em determinado papel? Eu queria ver o Wagner fazendo o Pablo."
Outros brasileiros, como Alice Braga e Rodrigo Santoro, já desbravaram idiomas em produções estrangeiras –não como protagonistas, e portanto com menos alarde.
Padilha lembra outros casos, como Peter Sellers, que mesmo tendo pronúncia britânica viveu tipos americanos, e o espanhol Javier Bardem, que fez um brasileiro em "Comer, Rezar, Amar" (2010).
"A verdadeira história de Pablo tinha gente de todo o mundo. Como usar um sotaque só? Deveríamos ter atores de cada cidade para cada personagem dessa cidade?"
Consultora de italiano de novelas como "O Rei do Gado" e "Esperança" (Globo), a professora da USP Maria Cecilia Casini diz que, na ficção em língua estrangeira, eventuais ruídos de pronúncia são "compreensíveis e sem solução".
"A arte é uma convenção. É um pacto ficcional entre produtores, atores e público. A gente tem que aceitar essa condição", comenta. "Não se trata de ser tão purista."
Para Fernando Coimbra, diretor de "O Lobo Atrás da Porta" e de dois episódios de "Narcos", Wagner foi uma aposta ousada da Netflix.
"E ele foi corajoso de topar. Não tinha muito tempo para aprender espanhol e pôs a cara a tapa como poucos fariam." O cineasta destaca o caráter internacional da série –latino-americana, diz, "no maior sentido possível".
A obra, na verdade, é bilíngue. Narrada do ponto de vista de Steve Murphy (Boyd Holbrook), agente antidrogas americano na caça a Escobar, "Narcos" tem feito o público dos EUA superar a rejeição a um produto legendado, segundo o "Washington Post".
O jornal americano, por sinal, avaliou: "Moura está tão seguro no papel que você nunca diria que falar em espanhol foi um desafio para ele".
A série é a segunda em espanhol da Netflix, que pôs no radar o mercado latino-americano. São 5 milhões de assinantes, diz a empresa, que confirmou nova temporada para 2016.