Lobo mau
Osesp inicia hoje festival 'Quem tem Medo de Schoenberg?' em homenagem ao iconoclasta criador do dodecafonismo
Um famoso texto-manifesto assinado pelo compositor Pierre Boulez em 1951 tinha por título "Schoenberg morreu". Nascido em Viena no final do século 19, Arnold Schoenberg (1874-1951) havia passado os últimos anos em Los Angeles, cidade americana onde se radicou para escapar do antissemitismo.
Sessenta e quatro anos depois, porém –pelo menos para quem estiver em São Paulo nos próximos dias–, Schoenberg está vivo: até segunda-feira (21), a Osesp apresenta o festival "Quem tem Medo de Schoenberg?", com obras importantes de um autor sempre mais comentado do que escutado ou tocado.
O evento nasceu de um pedido do maestro Isaac Karabtchevsky, um presente pelos seus 80 anos de vida recémcelebrados. "Gurre-Lieder", a obra que ele regerá em três concertos, é rarissimamente apresentada no mundo, e, segundo o regente, nunca foi tocada no Brasil.
Envolve uma orquestra gigante, coro, narrador e cantores solistas: é a ligação direta com o romantismo de Wagner (1813-83). Uma outra obra-prima da juventude do autor, "A Noite Transfigurada" (1899), é a conexão possível entre a harmonia de Wagner e a forma perenemente em desenvolvimento de Brahms (1833-97).
CENTRO DE GRAVIDADE
Até Schoenberg, toda música tinha tido sempre um centro de gravidade (mais ou menos estável), uma nota principal em torno da qual as outras giravam. Ao romper com essa prática milenar, ele chegou ao atonalismo. Uma música atonal não está "em dó" nem "em sol", ela se mantém suspensa, recusa qualquer tom principal.
Seu passo mais polêmico seria o desenvolvimento do dodecafonismo, uma técnica para atingir esse atonalismo a partir de uma série que incluísse todas as 12 notas (as sete teclas brancas e as cinco pretas dentro de uma oitava em um piano) em uma ordem específica, sem que nenhuma delas assumisse a função de centro gravitacional.
O festival trará também peças que já se inserem no atonalismo livre da fase expressionista do compositor, mas ainda anteriores ao dodecafonismo: o "Quarteto n.2", composição para quarteto de cordas que utiliza soprano solista nos movimentos finais, e "Pierrot Lunaire", uma de suas obras mais conhecidas e polêmicas.
Escrito em 1912, o "Pierrot" baseia-se em 21 poemas do belga Albert Giraud (1860-1929), em tradução alemã, musicados para narrador e conjunto de câmara –há versão do texto em português feita por Augusto de Campos.
Nela, Schoenberg leva ao limite o uso de um registro intermediário entre a fala e o canto e que seria empregado, décadas mais tarde, pelo roqueiro norte-americano Frank Zappa (1940-93) e, no Brasil, por Arrigo Barnabé.
Curiosamente, a ideia de ruptura é, até certo ponto, estranha a Schoenberg, que se via como produto de um rigoroso processo de desenvolvimento artístico-histórico, como um degrau de uma "escada sucessória".
De fato, o elo entre vanguarda e tradição é um princípio central da poética e das especulações estéticas do compositor austríaco. Sua arte é orientada por um princípio ético de necessidade e por um estudo exaustivo das obras do passado.
Por isso ele foi também um importante professor, e dois dentre seus inúmeros alunos, Alban Berg (1885-1935) e Anton Webern (1883-1945), tornaram-se tão relevantes para a música de seu tempo como ele próprio. Será que ainda precisamos ter medo de alguém assim?
QUEM TEM MEDO DE SCHOENBERG?
QUANDO "Gurre-Lieder": qui. (17) e seg. (21), às 21h, sáb. (19) às 16h30; Quarteto Osesp: sex. às 21h. Alunos da Academia da Osesp: dom (20), às 16h
ONDE Sala São Paulo, praça Júlio Prestes, 16, tel. (11) 3367-9500
QUANTO de R$ 45 a R$ 178 ("Gurre-Lieder") e de R$ 71 a R$ 92 (demais apresentações)
CLASSIFICAÇÃO 7 anos
NA INTERNET
Leia entrevista com o maestro maestro Isaac Karabtchevsky em
folha.com/no1682349