Maior cineasta da Rússia ganha retrospectiva em SP
Em meio ao menu forte em novidades, o festival de cinema Indie oferece como prato principal a retrospectiva da diretora Kira Muratova, 80.
Os manuais destacam o nome dela como a mais importante cineasta russa. Entretanto, sua biografia e seus trabalhos lhe reservaram um lugar bem mais marginal.
Nascida em 1934, na Bessarábia, então território da Romênia, filha de pai russo e mãe romena, Muratova passou a infância em Bucareste.
Nos anos do pós-guerra, quando a Romênia torna-se um dos países-satélite do império stalinista, ela estudou numa escola russa. Jovem, teve contato com a produção cultural do Leste Europeu numa fase em que o cinema conjugava as funções de foco criativo e expressão de resistência.
Sob essa influência, Muratova foi estudar cinema na escola oficial do regime em Moscou, na época em que o degelo cultural após a morte de Stálin autorizava ligeira autonomia de voo aos artistas.
No entanto, "Breves Encontros" (1967) e "O Longo Adeus" (1971) são vetados por "incompatibilidade com os cânones estéticos do Realismo Socialista" e a "evidente inconfiabilidade política da diretora". Só chegaram a público nos anos 1980, na fase de abertura do regime, a "glasnost".
O festival exibe ambos títulos, assim como a rarefeita produção de Muratova nos anos 1970, em que fez só um filme.
A fase mais importante de Muratova concentra-se durante a "glasnost" e no período imediato. "Mudança de Destino" (1987), "Síndrome Astênica" (1989) e "Três Histórias" (1997) são alegorias que deixam à mostra as transformações históricas da União Soviética, a dissolução do comunismo e as ruínas do modelo que deixou como herança o entulho do autoritarismo.
Seu talento para mostrar como o que se considera normalidade guarda os maiores absurdos tornam os títulos mais que documentos de época.
No crime sem castigo de "Mudança de Destino" e na incapacidade de os personagens do formidável "Síndrome Astênica" ficarem de pé, Muratova equipara o coletivo e o individual e registra com humor desconcertante o apocalipse que se anuncia.
Nos filmes recentes, o teatro se torna um lugar favorito, onde Muratova reafirma seu anarco-pessimismo mostrando que a farsa é a única proteção para os que não querem morrer de falta de sentido.
KIRA MURATOVA
ONDE Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 11 3087-0500)
QUANDO até 30/9
QUANTO de R$ 3,50 a R$ 12