Pesquisa da Netflix omite como chegou a resultados
Empresa divulga estudo de capítulos 'viciantes' sem revelar amostragem
Plataforma de vídeos não responde sobre sua metodologia e diz que espaço amostral são 'todos os clientes'
A Netflix sabe seus segredos televisivos. Você diz para os amigos que gosta do drama político da vez, mas chega em casa e se acaba vendo séries de besteirol, ou repete pela 13ª vez temporadas antigas.
A plataforma de vídeo on-line tem acesso ao que seus 60 milhões de clientes ao redor do globo assistem, o quanto assistem e quando param de assistir. De acordo com o site de tecnologia americano GigaOm, a tecla play é apertada 30 milhões de vezes por dia no serviço.
E agora a empresa está começando a compartilhar um pouco dos dados que amealhou. Nesta semana, foi divulgada pela primeira vez uma pesquisa feita a partir de dados de usuários de 16 países, dentre eles o Brasil.
Os números que a Netflix enviou à imprensa visavam mostrar qual era o capítulo em que espectador "se viciava" em uma série. O critério usado foi encontrar o episódio depois do qual 70% dos espectadores seguiriam vendo a temporada até o fim.
Mas parte do método da pesquisa foi omitido. Não vieram a público informações relevantes, como o número de pessoas analisadas para cada uma das 25 séries escolhidas.
"Nosso universo amostral foram todos os clientes", diz Ted Sarandos, chefe de aquisição de conteúdo do Netflix.
Mas nem todos os clientes estão vendo todas as séries. Quantos brasileiros, por exemplo, assistiram a "How I Met Your Mother" entre janeiro e julho de 2015, o período analisado?
"Não divulgamos esse tipo de informação", diz Sarandos.
"Uma pesquisa, mesmo não científica, que solta um dado sem a amostra não está dizendo o que estudou exatamente", diz o estatístico Marco Silva, pesquisador da USP.
A empresa tampouco respondeu qual foi o percentual de espectadores que desistiram das séries antes de chegar ao "capítulo-gancho".
"Uma pessoa pode começar a assistir a uma série hoje, parar e voltar daqui a semanas", diz Sarandos, seguindo a linha da política da empresa de guardar informações dos clientes como inteligência de mercado.
Depois de não responder objetivamente às perguntas sobre o método usado para a obtenção dos dados, ele falou sobre peculiaridades dos resultados obtidos no país.
Segundo a pesquisa, brasileiros se viciam, em média, após 4,1 episódios. Em comparação, americanos levam 3,8 (veja ao lado).
Para ele, o fato de o público brasileiro demorar um ou dois capítulos a mais que a média mundial para se comprometer a ver uma série até o fim tem origem no maior produto cultural da TV local.
"As novelas são mais longas. O brasileiro pode estar acostumado a esperar mais para se comprometer", diz.
A plataforma garante que as informações não serão usadas como uma equação para criar novas atrações: "É só uma observação de como os hábitos do espectador mudaram com a plataforma 'on demand'", diz Sarandos.
MÁQUINAS X CRIADORES
Para Marta Kauffman, uma das criadoras de "Friends", a pesquisa não fez diferença. "Não estava querendo informações. Só sabia que as pessoas estavam assistindo", diz ela, que atualmente trabalha em "Grace and Frankie".
A Folha comenta que há no mercado o rumor de que a Netflix nem leu o roteiro de "House of Cards", seu maior sucesso, antes de dar OK ao projeto –os executivos teriam cruzado as informações de mote, elenco e diretor com interesses demonstrados pelo público e previsto a vitória.
Uma funcionária de relações públicas da Netflix aparece no telefonema. Diz que não foi o caso e que citar isso numa matéria levaria os leitores "pelo caminho errado".
Kauffman responde: "Não tinha ouvido essa história, mas minhas séries não foram criadas assim". Segundo ela, a empresa não teve nenhuma ingerência na sua ideia.
"No fim, coleção de dados são números, não é criação. O que conta é criação."