Análise
Investimento em reportagem revigora o "Washington Post"
Novo dono reforça a Redação e jornal recupera prestígio e leitura nos EUA
"NÃO SE PODE DIZER QUE O "POST" TENHA REINVENTADO A MATEMÁTICA DE PRODUZIR INFORMAÇÃO DE ALTA QUALIDADE NA ERA DOS PREÇOS GENÉRICOS. MAS PERMITIR QUE OS JORNALISTAS DIVULGUEM NOTÍCIAS, BUSQUEM FUROS E ILUMINEM A WEB TEM SIDO UM BOM CAMINHO"
Depois de passar por uma séria crise, o jornal "Washington Post" está vivendo uma grande fase, produzindo o tipo de reportagem pelo qual jornalistas --e leitores-- anseiam. Os sucessos recentes incluem a cobertura de um caso que resultou na renúncia do diretor do Serviço Secreto e reportagens investigativas que acabaram produzindo a condenação de um ex-governador da Virgínia acusado de corrupção.
As pessoas que trabalhavam no "Washington Post" por décadas tiveram de suportar críticas por não estarem à altura dos dias de glória do caso Watergate --e é difícil imaginar que seja possível revivê-los.
Ha dois anos, depois de uma série de demissões e alguns tropeços de gestão, o declínio na ambição e qualidade do produto estava ficando evidente para todos. O "Washington Post" passou a ser visto mais como exemplo de decadência do que como de qualidade.
Enquanto o site Politico --cuja equipe é formada por antigos jornalistas do "Washington Post" que deixaram o jornal insatisfeitos-- ganhava terreno com sua cobertura política agressiva, os murmúrios de que o jornal havia perdido a relevância ganharam volume.
A "Columbia Journalism Review" argumentou que, ao demitir centenas de funcionários, os líderes do "Washington Post" haviam "diluído a qualidade" da publicação; a "Vanity Fair" lamentou que ele tivesse se tornado "símbolo de declínio"; e a "New Republic" o definiu como "em severa desordem".
REVIRAVOLTA
A família Graham, que por muito tempo comandou o "Washington Post", por fim decidiu, pouco mais de um ano atrás, que mais recursos financeiros e uma forma diferente de pensar eram necessários para preservar o jornal, e o vendeu a Jeff Bezos, o fundador da Amazon.
Agora, pouco mais de um ano depois da mudança, a narrativa mudou e o "Washington Post" voltou a ser comentado pelos motivos corretos.
Será que Bezos tinha alguma magia digital a oferecer que tenha alterado a matemática do jornalismo moderno? Longe disso. Sua disposição de bancar a contratação de novos funcionários --mais de 100 neste ano-- criou uma atmosfera de confiança e estabilidade financeira.
O "Washington Post" atual é uma organização noticiosa surpreendente e enérgica --talvez não o navio-pirata que Ben Bradlee um dia comandou como editor-executivo, mas uma leitura diária aguçada, mesmo assim, na versão digital e na impressa.
O jornal está criando desafios para seus concorrentes, e oferecendo grande transparência quanto aos assuntos que cobre.
Só um idiota torceria contra a saúde do jornal diário da capital do país.
O "Washington Post" tanto cobre quanto é parte da classe permanente de Washington, e existe amplo interesse cívico em termos um veículo noticioso dotado de bons recursos e de fontes e boas percepções sobre a burocracia governamental e o mundo político.
Parte da visibilidade atual do "Washington Post" se relaciona à crescente sofisticação exibida na promoção nacional de seu conteúdo; de acordo com a comScore, em julho o site do jornal recebeu 39,452 milhões de visitantes únicos, 63% a mais do que no mês em 2013.
REPORTAGENS DE PONTA
Mas estamos falando de mais do que magia digital. O que realmente atrai o público é o noticiário. E o "Washington Post" vem gerando uma montanha de excelentes reportagens.
Além da cobertura ainda em curso dos lapsos de segurança do Serviço Secreto e do caso de corrupção na Virgínia, houve uma grande investigação sobre o confisco pela polícia de milhões de dólares de motoristas não acusados de crimes.
Outro trabalho de destaque foi uma série sobre como a política teve precedência sobre as boas práticas de gestão no lançamento do novo sistema nacional de saúde.
Os exemplos de bom jornalismo da fase recente do "Post" são muitos, mas a boa fase atual começou com um estrondo em junho de 2013, quando Barton Gellman publicou uma série de artigos muito complicados e de alto risco para o jornal com base em informações vazadas por Edward Snowden, antigo prestador de serviços à Agência Nacional de Segurança.
O "Washington Post", em companhia do "Guardian", recebeu o prestigioso prêmio Pulitzer de serviço público por seus esforços.
Boas notícias sobre jornalismo são tão raras quanto colaboração entre os partidos em Washington, e por isso assistir ao retorno do "Washington Post" à mesa dos adultos vem sendo divertido.
O fato é que o último gesto dos Graham como comandantes do "Washington Post" --vendê-lo a alguém capaz de bancar um bom trabalho-- foi um dos mais importantes.
Embora Bezos talvez não tenha descoberto até agora como usar a entrega por drones [aeronaves de pilotagem remota] para resolver o dilema econômico do jornalismo, ele vem financiando a excelência no trabalho, e não interfere demais.
Ninguém o verá como um benfeitor altruísta do jornalismo em papel --no mês passado, a companhia anunciou cortes draconianos nas pensões, por exemplo a eliminação dos benefícios médicos aos aposentados.
O plano de aposentadoria com renda fixa dos principais executivos também foi congelado, e a ideia é estender os mesmos cortes aos funcionários sindicalizados do jornal.
E tampouco se pode dizer que o "Washington Post" tenha reinventado a matemática de produzir informação de alta qualidade na era dos preços genéricos.
Mas, por enquanto, permitir que jornalistas divulguem notícias, busquem furos e iluminem a Web parece ser um caminho melhor do que dar-lhes bolos de despedida.