Cifras & Letras - Entrevista Andy Robinson
Cinismo e discurso duplo são palpáveis em Fórum de Davos
Jornalista que cobriu conferência por oito anos escreve livro em que critica elite que usa evento para divulgar ética corporativa
O Fórum Econômico Mundial de Davos, que reúne a nata das grandes corporações multinacionais e se apresenta como evento que considera os destinos do planeta, não passa de uma grande operação de relações públicas. O objetivo é passar uma mensagem de ética corporativa, que não se sustenta na realidade e é coberta de cinismo.
Essa, pelo menos, é a tese do jornalista britânico Andy Robinson, 54, que há oito anos acompanha as idas e vindas na cidade suíça.
"Um fenômeno muito palpável em Davos é um discurso duplo. Defendem a responsabilidade social, mas os homens de Davos e suas empresas não pagam impostos", diz Robinson em entrevista à Folha em São Paulo, em visita para promover o lançamento de seu livro "Um Repórter na Montanha Mágica", em que tenta desmascarar a face benévola das corporações.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
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Folha - A Elite de Davos afundou o Mundo, como escreve no subtítulo do livro?
Andy Robinson -Davos é um microcosmo. Trata-se de uma elite global, que está concentrando uma parte cada vez maior do patrimônio mundial. Está mais poderosa, do ponto de vista econômico, do que há 30 anos.
A diferença entre o 1% mais rico e o resto do mundo se alargou. Estamos falando, por exemplo, de executivos que ganham 400, 500 vezes mais que os salários médios de suas empresas. E essa desigualdade gera problemas de sustentabilidade para o próprio sistema capitalista.
Se você tem uma economia em que 60%, 70%, 80% da população têm seus salários congelados ou reduzidos, se torna muito difícil gerar poder aquisitivo para manter as necessidades de consumo de nosso modelo capitalista.
Todo o crescimento antes da crise de 2008 foi impulsionado por um aumento do endividamento. Enquanto isso, a elite de Davos consome uma parte muito menor de sua renda e busca investimentos.
Temos, de um lado, uma classe trabalhadora cada vez mais dependente de endividamento e, de outro, uma classe dominante, que converte a dívida em instrumentos especulativos, gerando uma instabilidade muito perigosa no sistema.
Como reverter isso?
Há soluções, que são a redistribuição de renda por meio de um sistema progressivo de impostos, um estado de bem-estar para manter um mínimo para os aposentados ou com necessidades especiais, sindicatos para manter salários dignos etc. Tudo isso vem desaparecendo nos últimos 30 anos, até mesmo nos países europeus que tinham uma vertente socialdemocrata. Estamos seguindo o caminho neoliberal, que é muito perigoso, não só do ponto de vista da sociedade como também do ponto de vista da própria economia de mercado.
Davos tem como lema o compromisso com melhorar a situação do mundo...
Davos é uma operação de relações públicas. Os departamentos de responsabilidade social das grandes corporações vão a Davos e comparecem a sessões com ONGs porque usam Davos como uma operação de imagem.
Isso consiste em fazer apresentações mostrando como a Coca-Cola vai enfrentar a escassez de água junto com a ONG water.org, representada pelo ator Matt Damon.
Mas basta analisar um pouco para notar que as políticas de engarrafamento e venda de água da Coca e da Pepsi são responsáveis importantes pela geração de pegadas de carbono. Na Índia, por exemplo, há lutas, batalhas campais entre lavradores e polícia em protesto contra as novas unidades de engarrafamento da Pepsi e da Coca.
E há a questão dos impostos...
Há um capítulo do livro sobre a cidade de Zuq, onde há 15 mil habitantes e 30 mil empresas registradas, entre elas grandes corporações multinacionais, como a rede Burger King, que tem um brasileiro como principal acionista, Jorge Paulo Lemann.
Elas se registram em uma pequena cidade e assim podem transferir benefícios e não pagar impostos. Essa evasão fiscal está criando problemas de solvência para os Estados. O discurso filantrópico em Davos, o filantrocapitalismo, é complemento da evasão fiscal.
UM REPÓRTER NA MONTANHA MÁGICA
AUTOR Andy Robinson
EDITORA Apicuri
QUANTO R$ 39 (224 págs.)