Alexandre Schwartsman
A Levíada
Pranteia, ó Musa, a derrota inglória do severo Ministro, Que da tesoura fez sua afiada arma na demanda
Canta, ó Musa, a luta inglória do severo Ministro/Que da tesoura fez sua afiada arma na demanda/Pela estabilidade da nativa economia e da dívida/Do governo, condenadas pela tibieza do Genovês/E pelo desmedido orgulho da Rainha do Poste, Persuadida pelos áulicos da Princesa d'Oeste.
Dos mestres em Chicago sabia o feroz Tesoureiro/Que imperioso era o primário superavit/Na batalha contra a crescente dívida, sem o que/Perder-se-ia o valioso grau de investimento/Por tantos prezado (e tão poucos defendido!)/1,1% de PIB mirou e as tesouras em moção pôs.
No entanto, ó sorte aziaga, não percebe o herói/Que a Rainha, pela fortuna e prudência abandonada/Não mais sua horda comanda, nem mais as bênçãos recebe/Daquele que a ungiu, cedendo-lhe cetro, coroa e trono/Mas, titereiro astuto, às cordas lhe prende impiedoso, E à cabeça da ala esquerda marcha, sem rumo.
Não vê também que a maldição do ouro negro e o saque/Indiscriminado da Petrobras, à Rainha opuseram as tropas/Que lealdade haviam jurado, em troca, porém, de butim/A quem não lhes cabia. E, lançado à frente de batalha, Logo entende a solidão em meio às hostes aliadas, Tesouras partidas, as lâminas no pó caídas, em fuga o escudeiro.
Não se rende o Ministro e aos seus brada pelo apoio, Mas, cercado e solitário, aos poucos retrocede, escudo à frente/E 0,15% do PIB (não riam!) aceita, em troca, acredita, De promessa de, mais adiante, aos 2% do PIB chegar. Forma-se o tumulto. Cresce a dívida apesar da jura, Subjugada pela implacável e inexorável aritmética.
Sobe com ela o dólar, movido pelo alarmante pavor/Da fraqueza do herói, seu isolamento, as navalhas embotadas. O escudo, outrora invulnerável, já não afasta os golpes/Do destino cruel, nem das tropas que, rebeladas, não mais/Aceitam segui-lo na árdua peleja do ajuste fiscal/E se acerca a perda do grau de investimento.
A inflação, besta novamente desperta, rompe os grilhões. Resta apenas ao Bardo a penosa lide de novas setas contra ela lançar. Mais 0,50 ponto, sacrifício pago no altar da irresponsabilidade, Em troca de outro juramento de convergência, novas correntes/A atar aquilo que jamais deveria ser liberto (mas foi!), Arrasando o que se imaginava sadio daquele tormento.
De pouco valem as novas flechas, porém, sem o apoio do primário. Fortalecida a fera pelo gasto público, e por mais que o futuro trará, Ela prospera, selvagem e bestial, a carcomer valores e morais. Fortalecido pelos anos de liberdade, o veneno lento, poderoso, Mais uma vez se alastra, inebriante, corrosivo, mortal, Dominando corações e mentes de uma terra desiludida.
Exausto, o guerreiro recua, esperançoso ainda de persuadir/A fiel audiência que derrota não houve/no máximo um estorvo. Aperta, contudo, o cerco à Rainha, abandonada pelas hostes. Alas direita e esquerda partidas, em formação de batalha íntima, Sob o olhar estupefato das colunas adversárias, alheias ao combate, E prenhas de dúvidas: consciência ou oportunidade/ luta ou neutralidade.
Entende, por fim, a futilidade: sem o trono não há vitória possível. A Rainha omissa condena o reino e a bravura é inútil. As lâminas, desprovidas de rumo, de nada servem. Pranteia, ó Musa, a derrota inglória do severo Ministro, Que, sob o disfarce de realismo, escancarou a debilidade da pátria/E os destroços de tantos anos de descuido.