Perto de Francisco
Casal brasileiro participa como convidado do encontro da igreja que discute questões sobre a família, com direito a discurso na presença do papa
Foi por meio de um mensageiro nada trivial que os brasileiros Hermelinda e Arturo Zamperlini souberam o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil. O papa Francisco os avisou que a disputa seria resolvida no segundo turno.
A conversa aconteceu na segunda-feira (6) de manhã, no intervalo da sessão da Assembleia Extraordinária do Sínodo (encontro dos bispos).
"Quando soube que éramos brasileiros, o papa nos disse: O Brasil vai para o segundo turno'", conta Arturo. "Nós ainda não sabíamos".
Os Zamperlini são os únicos leigos brasileiros que participam do sínodo, reunião de bispos que acontece no Vaticano para discutir posicionamentos da Igreja Católica em questões sobre família.
Casados há 41 anos, Arturo, 65, e Hermelinda, 61, dirigem a parte brasileira das Equipes de Nossa Senhora, movimento internacional de apoio conjugal. Segundo Arturo, o convite para o sínodo veio do próprio papa Francisco, por meio da Nunciatura Apostólica no Brasil, a Embaixada da Santa Sé no país.
A participação, porém, é limitada. Assim como os outros 13 casais leigos de todos os continentes convidados ao encontro, eles não têm direito a voto no texto que definirá a opinião da igreja a respeito de temas delicados, como o divórcio, a homossexualidade e o uso de métodos contraceptivos.
Ainda assim, segundo Arturo disse à Folha, por telefone, suas opiniões são levadas em consideração por quem tem poder de decisão. Ele teve direito a uma fala de quatro minutos para o público composto de cardeais, bispos, líderes de comunidades católicas, estudiosos e o papa Francisco.
Aproveitou a oportunidade para defender a maior divulgação de métodos contraceptivos naturais, por meio do monitoramento do ciclo menstrual da mulher.
"Casais, principalmente jovens, vivem um ritmo de vida que não lhes permite praticar esses métodos, uma vez que demandam tempo para treinamento", discursou Arturo à plateia, pedindo o desenvolvimento de uma orientação mais atual.
MODERNIZAÇÃO
Para Arturo, os "ares do evento são de mudança". "A igreja se mostra aberta a se modernizar. Ela é sempre a favor de andar ao lado de seu povo, vai responder às aspirações de seus fiéis", disse.
Segundo o brasileiro, as mudanças que podem sair destas discussões são também fruto da preocupação da Igreja Católica com a perda de fiéis para outras religiões.
"Eu acredito que a igreja se preocupa muito com isso. Aí no Brasil, para as igrejas evangélicas, no mundo todo, para os muçulmanos, no leste europeu, há os cristãos ortodoxos", disse.
Talvez por isso o documento preliminar produzido pelo sínodo acene com uma maior aceitação às famílias que não seguem as orientações da igreja, como divorciados e casais não casados religiosamente, e aos fiéis gays.
"São pessoas que merecem nosso respeito, nossa condescendência", diz Arturo, sobre os homossexuais. "Nós temos um desafio educativo para os nossos fiéis, para olharem para essas pessoas com respeito", afirmou.
O documento está agora sendo discutido em grupos menores, de 20 pessoas. Os casais participam destas reuniões, mas contam como apenas uma pessoa.
"O que estamos fazendo nesses grupos é aprimorar o texto. Não acho que vá mudar a essência dele, mas mudar uma palavrinha aqui, outra lá", disse Arturo.
VIDA COMUM
Apesar da forte atuação no catolicismo brasileiro, Hermelinda e Arturo não se dedicam exclusivamente à religião. Ele é consultor técnico na empresa petroquímica Braskem, e ela é dentista em um consultório em São José dos Campos (SP), onde vivem.
Portanto, a convivência com a alta hierarquia da igreja durante os dias do sínodo é inusitada para o casal brasileiro. Principalmente em relação ao papa.
"Nos intervalos, ele acolhe a todos, conversando, abraçando. É muito humilde, simpático", disse Hermelinda.
Arturo destaca a participação de Francisco nas reuniões. "Ele não levantou um minuto durante as palestras".