Thomas de Waal - Historiador
'Discussão sobre o genocídio tornou-se instrumento político'
Especialista no massacre de armênios por turcos há cem anos diz que ambiguidade do conceito alimenta tensão entre os povos
"Para a maioria dos armênios, o reconhecimento de um genocídio parece ser a única coisa capaz de trazer conforto. Já boa parte dos turcos está num ponto em que aceitaria qualquer palavra que não fosse essa. É hora de tirar esse conceito do centro do debate e abrir outras vias para o diálogo."
Em entrevista à Folha, por telefone, o historiador e jornalista britânico Thomas de Waal, 49, formado em Oxford, acredita que o momento é de flexibilização e abertura no meio intelectual e acadêmico turco.
"É exagerado pensar, porém, que isso signifique que os turcos aceitem ter os avós comparados a Hitler e aos nazistas", diz ele, autor de "Great Catastrophe: Armenians and Turks in the Shadow of Genocide" (Grande Catástrofe: armênios e turcos à sombra do genocídio").
Folha "" O sr. chama o episódio de "grande catástrofe", por que prefere não usar o termo "genocídio"?
Thomas de Waal - Não considero "genocídio" uma forma equivocada do ponto de vista técnico, e prefiro me posicionar ao lado dos que defendem que ele existiu do que ao lado dos que o negam.
Dito isso, porém, creio que a palavra se transformou num instrumento político e ideológico que não deixa margem para um desenlace de reaproximação.
Preferia que se discutisse menos isso e passássemos a fazer outras questões sobre o contexto da época e sobre as formas de diálogo tentadas na região.
Em que momento o uso de "genocídio" passou a ser um problema?
Creio que isso foi reforçado pelas ambiguidades que o conceito carrega. São várias e dão munição aos dois lados. A Convenção sobre Genocídio da ONU, de 1948, definiu "genocídio" como "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, racial, político ou como tal". Este último item deixa tudo muito vago, várias coisas podem encaixar-se aí.
Já o principal argumento da Turquia apoia-se na questão da intencionalidade.
Mas isso faz com que existam assassinatos mais errados do que outros. Faz com que a morte como "efeito colateral" seja mais aceitável que outras e abre-se espaço para infindáveis interpretações subjetivas.
Quando surge a controvérsia?
Em 1915, não havia discordância de que ocorria uma matança dos armênios. [...]
Os armênios se concentraram, num primeiro momento, em reconstruir suas vidas. Muitos, como conto no livro, quiseram que os filhos aprendessem outras línguas e tivessem vidas independentes e diferentes nos novos países.
Nos anos 1960, há uma grande transformação, principalmente ao redor do 50º aniversário do evento, em 1965. É quando o luto íntimo se transforma em tema público e político. Inspirados pela onda de conscientização gerada pelo Holocausto, os armênios levantaram o tema das reivindicações e pedidos de desculpas.
Aí veio a década de 1970, quando houve uma onda de ataques terroristas por parte de militantes armênios direcionada a diplomatas turcos. O discurso turco, então, passou a ser mais forte, acusando armênios de serem traidores, além de ameaças.
O sr. diz que, nos últimos 15 anos, a Turquia mudou muito, e hoje há um grupo de intelectuais que aceitam abordagens mais ponderadas. Por quê?
Uma nova geração de historiadores surgiu e está tentando entender as coisas dentro de um contexto mais amplo. Já ficou para trás a ideia do historiador turco contra o historiador armênio, ambos interessados apenas no seu lado. Dito isso, porém, é preciso reforçar que a mudança de uma sociedade não ocorre do dia para a noite.
E prova disso é o triste assassinato de Hrant Dink [jornalista, membro da minoria armênia na Turquia], por um jovem nacionalista turco [em 2007].
Esse crime foi um sinal de que talvez seja cedo demais para superar diferenças?
Dink é um divisor de águas porque, mesmo tendo sido tragicamente assassinado, o fato de ter ganhado voz foi um avanço, numa sociedade que não se permitia nada disso até ali, por ignorância.