ONGs globais são negócio, diz especialista
Para autor de livro sobre pós-terremoto no Haiti, falta de experiência local atrapalha reconstrução após desastres
Situação se repete no Nepal, diz Jonathan Katz, que cita decisões equivocadas e gastos com problemas laterais
Assim que o terremoto devastou o Haiti em 2010, o Exército americano entrou em ação: distribuiu 120 mil galões da "deluxe" água Fiji. Três anos depois, recipientes ainda bloqueavam canais quando chovia em Porto Príncipe.
Uma das muitas trapalhadas que governos e ONGs internacionais fizeram no país, diz o jornalista Jonathan Katz, 35. Para ele, cenário parecido com o Nepal pós-terremoto.
Então correspondente da agência de notícias Associated Press no Haiti, o americano estava de cueca e regata, em sua casa na capital, quando o "gwo machin ki pasé" chegou. É a frase em crioulo para "o grande caminhão que passou", como locais chamam o estrondo de um terremoto.
No livro "The Big Truck that Went By" (2013, sem tradução), Katz escreveu sobre "como o mundo veio salvar o Haiti e deixou um rastro de destruição". À Folha ele diz que a ajuda humanitária virou um negócio. "É fácil para alguém de fora entrar, fazer o que quer e não responder a ninguém."
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Folha - Qual o paralelo possível entre Haiti e Nepal?
Jonathan Katz - São países pobres, com governos fracos, onde a indústria humanitária atua há bastante tempo.
Você fala em negócio humanitário. Como isso ocorre?
São bilhões de dólares que fluem para as maiores organizações. Elas têm funcionários em tempo integral fazendo carreira na área, atrás de promoções, pensões... não é um insulto chamar de negócio. Isso pode ser ótimo. Mas é cegueira fingir o contrário.
Os moradores foram marginalizados no debate no Haiti?
Quase ninguém falava crioulo, e os grupos [de ajuda] sempre ouviam que haitianos eram perigosos e imprevisíveis fora dos muros. Acho que jamais ocorreu a eles outra hipótese.
Há desperdício entre a doação e a ajuda que realmente chega?
Assistência tem custo: viagem, gastos de escritório, salários, conta telefônica, comida para os próprios trabalhadores etc. Esses grupos se safam por não terem de prestar contas de seu trabalho.
Que decisões precipitadas são comuns após uma catástrofe?
Assumir que há escassez de comida onde pode não haver, ou saques, o que é improvável. Esperam surtos de doenças, o que quase nunca ocorre. E ignoram problemas concretos como falta de abrigos permanentes e perda de rendimento. Ouvi sobre equipes de salvamento dos EUA no Nepal. Faz uma semana e meia! Quem vão resgatar?
Você sugeriu no Twitter a quem quer doar que procure ONGs nepalesas. Por quê?
Quem quer ajudar presume que equipes "de grife" têm grande presença mundial. No Haiti, a Cruz Vermelha americana recebeu US$ 486 milhões. Tinha quatro pessoas lá no dia do tremor. Outros grupos voam logo após o desastre, pois sabem que o dinheiro vai fluir.