Caso paraguaio reaviva debate sobre aborto
Menina de dez anos estuprada por padrasto é impedida de abortar; governo alega que não há risco à vida da mãe
Ativistas pressionam por mudanças também em El Salvador e no Chile, onde a prática é totalmente proibida
O caso da menina de dez anos a quem foi negado um aborto no Paraguai não apenas levou outras mães a procurarem a Justiça por situações similares como aqueceu o debate sobre a prática em países da América Latina.
A garota paraguaia foi estuprada pelo padrasto, foragido; a mãe, que denunciou o abuso e pediu a cirurgia da filha, foi presa como cúmplice.
"Essa menina foi abandonada pelo Estado, que está lhe negando um direito, comprometendo sua vida e a separando da mãe. Por sorte, com a repercussão internacional do caso, outras mulheres estão perdendo o medo e fazendo denúncias", afirmou à Folha a ativista e ex-candidata presidencial Lilian Soto.
"O governo quer tratar esse crime de forma isolada, mas a realidade está sendo mais forte", disse ela.
O aborto é proibido no Paraguai, exceto quando representa risco à vida da mãe.
Familiares da menina, que pesa 34 kg e mede 1,39 m, afirmam que o caso se enquadra na lei, mas o governo não aceita o argumento. Na prática, a legislação jamais foi aplicada com relação a uma menor de idade grávida.
O ministro de Saúde Pública, Antonio Barrios, ex-médico particular do presidente conservador Horacio Cartes, descartou a possibilidade de realizar o procedimento devido ao estágio da gestação (cinco meses) e reafirmou que a garota não corre riscos.
"Este ministro não concorda com o aborto. Além disso, já não é mais possível realizá-lo", declarou.
Associações de direitos humanos alegam que, se o pedido fosse considerado quando a denúncia foi feita, haveria tempo para a realização segura do procedimento.
No Paraguai, outros casos que surgiram na sequência desse foram o de uma garota de 12 anos que, segundo sua madrasta, engravidou do próprio pai biológico em Itapúa, e outra de 13 que foi violentada na saída da escola, em Mariano Roque Alonso. Os pedidos de ambas para abortar também foram negados.
TOTALMENTE VETADO
Hoje, três países latino-americanos proíbem o aborto em qualquer situação: Chile, El Salvador e Nicarágua.
Muitos garantem na lei o procedimento em casos de risco à vida da mãe, má-formação do feto e estupro (Brasil, Colômbia, Peru), mas há vários em que o acesso é restrito, apesar de a legislação existir para alguns dos casos acima descritos (Bolívia, Paraguai, Argentina).
No Chile, dois casos deram nova vida ao debate recentemente. Uma mulher de 28 anos, com câncer e grávida de um feto anencéfalo, teve o aborto negado, assim como a menina Belén, de 11, estuprada pelo padrasto.
Pressão internacional e campanha de grupos pró-direitos humanos levaram a presidente Michelle Bachelet a prometer enviar ao Congresso um projeto permitindo o procedimento para casos de violação, má-formação do feto ou risco à vida da mãe.
Já em El Salvador, a Anistia Internacional e outras entidades pressionam pela liberação do grupo "Las 17" --mulheres que alegam ter tido abortos naturais, mas que, denunciadas pelos médicos que as atenderam, foram condenadas a penas de mais de 30 anos de prisão.
A lei salvadorenha, considerada a mais severa, prevê punições não só às mães como também a familiares e médicos que encubram ou auxiliem no procedimento.
Em março, Carmen Guadalupe Vázquez Aldana, 28 e presa por uma década, teve a pena revista, alegando ter sofrido um aborto natural. Estava condenada a 30 anos.