Oposição quer rever descriminalização de prática no Uruguai
Medida foi aprovada em 2012, na gestão Mujica; objetivo é reduzir danos e proteger as mulheres, diz defensor da lei
Abortos legais no país são mais de 15 mil em 2 anos; presidente atual é contra liberação, mas não pretende revogá-la
Apenas três países da América Latina permitem o aborto sem que seja necessário apresentar justificativa, até a 12ª semana de gestação: Uruguai, Guiana e Cuba. Porto Rico, um Estado associado aos EUA, também tem essa legislação. Na Cidade do México, o procedimento é permitido nessas condições, mas a lei não vale em outros Estados.
A lei uruguaia foi aprovada em 2012, durante a gestão do presidente José "Pepe" Mujica, da Frente Ampla.
"Não é lei pró-aborto, e sim de proteção à vida da mulher. Trabalhamos com a ideia de reduzir danos e amparar as mulheres. Abandoná-las, principalmente as que têm menos condições financeiras, é covardia e irresponsabilidade", disse à Folha o ex-subsecretário de Saúde Leonel Briozzo, responsável pela aplicação da lei no Uruguai.
No país, a mulher pode decidir sobre a interrupção da gravidez, mas passa por orientação psicológica e deve aguardar cinco dias após o primeiro atendimento, "para reflexão". A maioria dos abortos é realizada por meio da ingestão de remédios.
O Ministério da Saúde uruguaio, porém, tem tido de lidar com a recusa de 30% dos médicos do país, principalmente nas províncias do interior, que alegam "objeção de consciência" para não praticar o aborto.
"Há uma pressão indevida do Ministério da Saúde contra os médicos que se recusam a realizar a operação", afirma Carlos Iafigliola, do Partido Nacional.
O ex-subsecretário Briozzo responde: "A objeção de consciência está sendo respeitada. O que o governo está fazendo é enviar médicos de Montevidéu para atendê-las".
REVISÃO
No primeiro ano de validade da lei no Uruguai, foram realizados legalmente 6.676 abortos. No segundo, 8.599.
Críticos da medida e partidos opositores ao governo da Frente Ampla sugerem que o número pode crescer muito mais nos próximos anos e pedem a revisão da lei.
O conservador Pedro Bordaberry, ex-candidato presidencial pelo Partido Colorado, considera que seria possível formular outras propostas. "É possível estimular a adoção, por exemplo, mas evitar o aborto a qualquer custo", disse à Folha.
Já o atual presidente, Tabaré Vázquez, que é médico e pessoalmente contra o aborto, havia tentado impedir a aprovação da lei em sua primeira gestão (2005-10), mas não conseguiu reunir as assinaturas necessárias.
Com base no aumento de casos e na esperança de convencer Vázquez a revogar a medida, parlamentares dos partidos Nacional e Blanco têm se pronunciado.
Por enquanto, o presidente, que é da mesma legenda de Mujica, afirma que vai manter as decisões aprovadas pela gestão anterior.
Leonel Briozzo avalia que os casos recentes no Paraguai e em El Salvador servem de reflexão sobre o comprometimento dos médicos com as suas pacientes.
"Até aqui, temos visto muitos médicos denunciarem as mães que tiveram um aborto natural ou que não sabem o que fazer. O compromisso de um médico é sempre com seu paciente. É uma imoralidade que, em vez de ajudá-las, permitam que elas sejam presas e punidas."