Na Colômbia, milícia protege indígenas das Farc e do Exército
Com paus e facões, mas sem usar armas de fogo, grupo defende população presa no fogo cruzado entre os lados
Criada oficialmente em 2001, Guarda Indígena compensa com coragem a falta de armas, afirma um de seus treinadores
Os indígenas de Toribío, cidade no sul da Colômbia que é um dos enclaves das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), criaram sua própria milícia para se defender da violência da guerrilha e do Exército.
Desde o fim do cessar-fogo das Farc, em abril, cresceram combates entre guerrilheiros e militares nas montanhas do norte de Cauca, onde o conflito tem sido mais intenso.
Com paus e facões, nunca com arma de fogo, a Guarda Indígena patrulha os morros da cordilheira para proteger a população do fogo cruzado e defender o território onde fica uma reserva, reconhecida constitucionalmente, da etnia nasa.
Organizado pelo Cric (Conselho Regional Indígena de Cauca), o grupo tem, só na região norte do Estado, cerca de 3.000 integrantes. Muitos com 15 anos de idade.
Indígenas de outros Estados seguiram o exemplo dos nasa de Cauca e estão formando suas guardas.
"Geralmente, quanto mais jovem o guardião, melhor. Ele se forma combatente mais cedo e tem menos risco de ser cooptado pela guerrilha", diz Marino Secue, 57, um dos responsáveis pelo treinamento dos indígenas, que inclui exercícios nas montanhas.
Com 26 mil habitantes (só 1.701 na área urbana), 97% deles indígenas, Toribío já foi palco de inúmeras ações das Farc, que têm presença e influência no lugar desde que se organizaram, há 51 anos.
As marcas da última tomada guerrilheira, em 2011, estão visíveis nos tiros nas paredes das casas e na destruída unidade da Polícia Nacional, ainda hoje em escombros --e funciona assim, com soldados protegidos por barricadas.
No último dia 2, no alto da montanha La Palma, uma pequena escola ficou no meio de pesado confronto entre Farc e Exército. Não houve feridos. A guarda, nessas situações, envia emissários para tentar contato com cada uma das partes e, às vezes em vão, clamar por um cessar-fogo temporário --ou para que não combatam perto de civis.
CORAGEM
O desequilíbrio de forças entre os bastões dos indígenas e os fuzis dos guerrilheiros e militares é recompensado pela coragem, diz Secue. A guarda tem batalhas vitoriosas em seu histórico.
Uma das mais celebradas ocorreu em 2004, três anos após a Guarda Indígena ser criada. Dois líderes comunitários foram sequestrados em Toribío pelas Farc, incluindo um ex-prefeito do município.
Em uma semana, os indígenas organizaram uma coluna que atravessou Cauca para resgatar os reféns em Caquetá, Estado vizinho. A guarda voltou com os dois.
Outro triunfo se deu quando prenderam e julgaram, de acordo com suas tradições, dois guerrilheiros que atuavam na área indígena.
"O mais grave aqui é a disputa territorial", conta Gabriel Pavi, líder dos índios nasa em Toribío. "As Farc reivindicam as terras, dizendo que estão aqui desde 1964. O Exército diz que precisa controlar o território nacional. Mas somos os verdadeiros donos, estamos aqui desde 1701, antes mesmo de a Colômbia existir como país."
As regiões altas de Cauca, onde fica Toribío, são corredores estratégicos para as Farc, por dar acesso a outros Estados, e área ideal para o refúgio, devido à topografia.
O Exército vê os indígenas como potenciais aliados das Farc, segundo o general Wilson Cabra, por compartilharem o mesmo terreno e pelo fato de muitos guerrilheiros se misturarem à população.
Pavi diz que a infiltração da guerrilha é real e que muitos nasas colaboram com a ela, mas ressalta que a Guarda Indígena adota medidas de controle para tentar identificar os intrusos. Segundo ele, as Farc querem submeter os indígenas às suas regras, o que eles não aceitam.
"Aqui não se pode confiar em ninguém... indígenas, guerrilheiros ou militares", afirma Ludmila Menza, uma comerciante de artesanatos nascida e criada em Toribío, também da etnia nasa.
Aos 51 anos, mesma idade do conflito colombiano, ela conta ter morado alguns meses em Cali (não muito longe dali) para fugir do terror, mas não conseguiu sobreviver com os filhos e retornou.
"É muito difícil viver com medo e não poder sair de casa à noite, por exemplo. Não conheço outra coisa, é uma vida inteira de convivência com essa guerra", conta.