'Nova esquerda' se articula para eleição geral espanhola
Alianças deixam de fora o Podemos, maior força eleitoral esquerdista do país
Vitórias em Barcelona e Madri, um mês atrás, deram impulso a união política; votos em siglas tradicionais despencam
No poder há cinco semanas, as prefeitas de Madri, Manuela Carmena, e de Barcelona, Ada Colau, estão provocando um terremoto político que altera o panorama de candidaturas de esquerda para as eleições parlamentares, previstas para novembro.
As coalizões que elegeram as duas –em português, Agora Madri e Barcelona em Comum– uniram-se na frente Agora em Comum para a disputa que definirá se a Espanha continuará ou não a ser governada pelo premiê conservador Mariano Rajoy (PP).
A aliança, impulsionada pelo sucesso no pleito regional de maio, deixa de fora por enquanto o Podemos, maior força eleitoral de esquerda na Espanha de hoje, mas inclui a antiga Esquerda Unida, que vinha encolhendo.
Eleitas por frentes alternativas herdeiras do movimento dos indignados, o 15-M (fundado em 15 de maio de 2011, no auge da crise econômica), elas estão entre as caras mais visíveis da renovação da política espanhola.
Nos seus primeiros atos de governo, reduziram os próprios salários, dispensaram carros oficiais e voltaram suas prioridades para as pessoas mais afetadas pela recessão que atingiu a Espanha com a crise global de 2008.
Tanto Carmena, 71, juíza aposentada, como Colau, 41, ativista social contra o despejo de quem não consegue mais pagar a hipoteca, escolheram esse grupo de vítimas da crise como foco inicial na gestão das duas maiores cidades espanholas.
"Há uma mudança tanto no estilo de fazer política, que implica maior proximidade das pessoas castigadas pela crise, como nas primeiras medidas adotadas pelos novos governos, com reforço da proteção social", avalia o cientista político Ángel Valencia, da Universidade de Málaga.
O Podemos, partido surgido em 2014 e grande impulsionador desse novo estilo político, fez parte das coligações de Colau e Carmena, mas preferiu preservar sua marca para as eleições gerais.
Agora pode ficar fora da frente esquerdista. Seu líder, o eurodeputado Pablo Iglesias, considera "impossível" vencer a eleição se o partido ficar confinado à esquerda.
O surgimento do Podemos e de outras frentes, combinado com a expansão do Cidadãos, partido de centro-direita nascido na Catalunha em 2006 que obteve 6,5% dos votos nas últimas eleições, colocou em xeque a hegemonia das duas legendas tradicionais, PP e PSOE (centro-esquerda), que se alternam no comando da Espanha desde a redemocratização, em 1975.
Analistas avaliam que a crise colocou em evidência os defeitos da democracia espanhola e gerou um mal-estar com os partidos políticos tradicionais, facilitando a emergência de novas agremiações.
"Esta crise, além de ter sido mais profunda que as anteriores, pegou o país com pouca capacidade de responder, tanto política como economicamente. O repertório dos partidos tradicionais não foi suficiente. A representação política na Espanha se encontra em estado crítico", disse o cientista político Luis Fernando Medina, supervisor do "Informe sobre a Democracia na Espanha 2015", da Fundação Alternativas.
Nas eleições de maio, o PP e o PSOE, que juntos costumavam deter entre 70% e 80% dos votos, despencaram para o patamar de 52%.
Para Francesc de Carreras, 71, fundador do Cidadãos e professor de direito constitucional da Universidade Autônoma de Barcelona, o grito de "não nos representam!" dirigido aos políticos pelos acampamentos do 15-M expressou um sentimento generalizado na sociedade espanhola.
"O 15-M oscilou mais para a esquerda, mas esse tema teve um apoio transversal, muito generalizado, dos setores de classe média que sofriam com a crise e com o desemprego. Houve uma reação contra os políticos e contra os partidos", afirma Carreras, que diz ver perigo para a democracia no país nessa rejeição aos partidos.