Clóvis Rossi
O outro grito de "fora"
Presidente equatoriano enfrenta "levantamento" de grupo indígena que já derrubou três governantes
Avisa Dario Fernando Patiño, diretor de notícias da Ecuavisa, principal emissora privada de TV do Equador:
"Se de algo têm medo os governantes equatorianos é dos indígenas e do povo de Quito. Na quinta-feira (13), estarão juntos em Quito".
É uma alusão à confluência de dois movimentos dispostos a gritar "Fora, Correa" [Rafael Correa, o presidente]: há o "levantamento" lançado pela Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), na forma de um marcha iniciada no dia 2 e que chega a Quito para coincidir com uma greve geral, convocada pela Frente Unitária de Trabalhadores e pela Federação de Médicos, entre outras organizações sociais.
Confluências semelhantes derrubaram os três antecessores de Correa, em 1997, 2000 e 2005. É, pois, um desafio formidável para o presidente, o que o levou a tomar duas medidas contrárias a seu hábito de buscar o confronto: primeiro, suspendeu a tramitação de emendas constitucionais a que se opõem os organizadores do protesto e, segundo, licenciou seu chanceler, Ricardo Patiño, para que comandasse um "diálogo nacional", razoavelmente bem sucedido em cooptar organizações sociais para que respaldem o governo.
A emenda mais contestada é que estabelece a reeleição indefinida, o que permitiria ao presidente candidatar-se uma quarta vez, depois de ter vencido as eleições de 2006, 2009 e 2013.
Mas há também propostas para aumentar impostos, taxando, por exemplo, heranças superiores a US$ 35.400 (R$ 122,2 mil).
É curioso que um protesto de orientação esquerdista vise um projeto que afetará, segundo o governo, apenas 0,1% da população, que é a fatia que recebe heranças acima desse valor.
Que o movimento é majoritariamente de esquerda ("esquerda extraviada", segundo o chanceler Patiño) vê-se claramente pela retórica com a qual se convocou o "levantamento":
Correa e seu movimento político "chegaram ao governo oferecendo uma revolução, mas o que construíram é uma roupagem enganosa para encobrir um novo sistema de domínio e de opressão para favorecer as grandes empresas", em um modelo de "violenta modernização do capital".
É uma crítica pela esquerda a um presidente que se diz esquerdista e que tinha, até este ano, bons números a apresentar.
O crescimento médio da economia, nos anos Correa, foi de 4% anual, o desemprego é inferior a 5% e a porcentagem de pobres caiu de 45% a 25%.
Os salários subiram e a inflação se manteve em torno de 3% graças à dolarização da economia, que antecede o período Correa, mas foi por ele mantida, apesar de sua retórica anti-norte-americana.
O problema é que a queda dos preços do petróleo, a principal exportação equatoriana, marcou o fim dos bons tempos: o próprio governo rebaixou a previsão de crescimento para este ano dos 4%, com o que se manteria a média dos anos Correa, para apenas 1,9%.
Com isso, o modelo da chamada "Revolução Cidadã", muito calcado em subsídios, fica abalado e ressurge o fantasma do movimento indígena, ceifador de presidentes.