Análise Argentina
Cenário eleitoral ainda é indefinido, mas pende ao kirchnerismo
A economia brasileira está ruim, e a imagem da presidente Dilma Rousseff sofre com isso. Como é possível que na Argentina, cuja economia está ainda pior, o partido da presidente Cristina Kirchner tenha ficado no primeiro lugar nas eleições primárias de domingo passado (9)?
Não deveria surpreender. Assim como Dilma, Cristina mantém alto o consumo e baixo o desemprego até as eleições; depois se vê o que fazer. A diferença é que não será Cristina quem fará os ajustes necessários, mas o oficialista Daniel Scioli ou o opositor Mauricio Macri, os dois picolés-de-chuchu favoritos para sucedê-la.
Governador da enorme província de Buenos Aires (representa 39% da população argentina), Scioli não era o favorito da presidente. Ela acabou obrigada a escolhê-lo porque não conseguiu emplacar um candidato com mais afeição ao chamado "kirchnerismo".
Scioli, um ex-piloto de lanchas, é um peronista clássico que sempre se alinhou com o chefe do partido, quem quer que fosse. Agora é a sua vez de ser chefe, e é uma incógnita como se comportará.
Mauricio Macri é o principal candidato opositor. Chefe de governo da cidade de Buenos Aires, lidera um partido novo (PRO) que não governa mais nenhum distrito.
Antigo empresário e ex-presidente do clube Boca Juniors, Macri exibe um perfil técnico e moderno que teve sucesso na capital, mas encontrou limites na hora de se estender pelo território nacional. Se fosse presidente, o seu principal desafio seria constituir uma base razoável de apoio parlamentar, porque seu partido é minúsculo.
Nas primárias do dia 9, os argentinos não escolheram governantes, mas apenas candidatos para as eleições "para valer", em 25 de outubro. Os resultados tiveram interpretações variadas.
O dado principal é que o candidato do governo chegou ao primeiro lugar (38,5%), mas sem ultrapassar o limiar que lhe permitiria ganhar no primeiro turno em outubro: 40% e uma diferença de dez pontos percentuais sobre o segundo colocado, ou então 45%, independentemente dos outros contendentes.
A oposição comemorou, mas seu desempenho não foi brilhante. A coligação de Macri obteve 30% dos votos; porém, 6% vieram de dois candidatos menores, que foram eliminados da disputa. Macri ficou nos 24%, e agora deve fidelizar os seus rivais derrotados ao mesmo tempo que procura captar votos de outros espaços opositores.
O peronismo chegou em primeiro lugar em 20 das 24 províncias. Se os resultados se repetirem em outubro, o governo e seus aliados elegerão 16 dos 24 senadores em disputa e perto de 70 deputados de um total de 130. Assim, teriam uma cômoda maioria no Congresso.
As projeções dão também aos peronistas entre 14 e 16 governadores, o que lhes asseguraria recursos institucionais e o controle da rua –ou seja, da mobilização política que poderia derrubar um governo fraco.
A eleição geral ainda não está definida, mas duas coisas podemos assegurar. Primeiro, e em contraste com o Brasil, na Argentina o grupo no poder tem imensa vantagem eleitoral. Segundo, o fator que explica a continuidade da política argentina apesar das crises, é a misteriosa eternidade do peronismo.