Paz na Colômbia beneficia esquerda, afirma ex-prefeito
Para Enrique Peñalosa, que governou Bogotá, conclusão ou fracasso do processo vão tirar bandeira de Uribe
Político conhecido por melhorias urbanas defende mudanças como forma de democratização social
Quando foi eleito prefeito de Bogotá, em 1998, Enrique Peñalosa, 60, deu início a reformas urbanísticas que transformaram a capital colombiana em exemplo de metrópole moderna e funcional.
Com ele e seu sucessor, Antanas Mockus, ambos então do Partido Verde, surgiram ciclovias, parques, um esquema integrado de bibliotecas e o Transmilênio, sistema de transporte com veículos leves. Numa época em que o discurso político focava o narcotráfico e a violência urbana, a qualidade de vida dos bogotanos melhorou.
Agora, Peñalosa é outra vez candidato a prefeito –a eleição no dia 25 de outubro escolherá ainda 32 governadores, deputados e prefeitos de mais 1.099 municípios. Ele está em empate técnico com o centrista Rafael Pardo e a esquerdista Clara López.
Para analistas políticos, a votação será crucial na reorganização política do país, diante da chance de êxito dos acordos de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e de, com eles, um novo panorama partidário para a eleição presidencial de 2018 surgir.
Peñalosa, que estará em São Paulo para um fórum urbanístico promovido pelo Secovi de 30 de agosto a 2 de setembro, falou à Folha por telefone. Leia a seguir os principais trechos:
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Folha - Há muitas críticas a obras que você e Antanas Mockus implementaram e que hoje já não funcionam tão bem. O que aconteceu?
Enrique Peñalosa - As reformas não podiam ficar paradas. Era preciso melhorá-las e expandi-las. Não houve vontade política, e os prefeitos seguintes não investiram na ampliação e renovação para nos desmoralizar.
Há 20 anos, apenas 0,1% da população em Bogotá usava bicicletas. Hoje são 5%.
Ciclovias são fundamentais para produzir igualdade. São uma decisão política antes de urbanística. Em cidades como Bogotá e São Paulo, há muita desigualdade econômica e social, e, portanto, necessidade de medidas de democracia que respeitem as constituições de nossos países. Se todos somos iguais, nosso acesso ao espaço tem de ser igualitário. E o trânsito flui melhor com ciclovias e corredores de ônibus.
Quando prefeito, o sr. defendia a construção de um metrô que Bogotá ainda não tem. Por que mudou de opinião?
Em Bogotá é muito mais custoso fazer uma obra dessas, pois em terreno montanhoso é mais difícil construir. Uma obra assim nos deixaria endividados. O que defendo é um metrô de superfície, mais democrático e agradável. Por que aceitar que a rua seja destinada a quem tem o privilégio de ter carro, e quem não possui um veículo é condenado a mover-se sob a terra?
Na eleição presidencial de 2014, o sr. quase chegou ao segundo turno. Mas a política colombiana acabou polarizando-se entre seguidores de Álvaro Uribe, representados pela candidatura de Óscar Ivan Zuluaga, e os do presidente Juan Manuel Santos. E as outras opções políticas?
A reorganização política da Colômbia está muito ligada ao processo de paz. Curiosamente, se as negociações alcançarem seu objetivo, é a esquerda quem vai entrar na moda. Uribe precisa do acordo para criticar Santos. Se ele não vinga, Uribe perderá sua bandeira. E, ao mesmo tempo, se a paz é alcançada, Uribe terá de apoiá-la. E quem se fortalecerá será o setor mais à esquerda, como Gustavo Petro [prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro do M-19, potencial candidato em 2018].
O sr. concorda com como a paz está sendo negociada?
O governo está fazendo as coisas agora de modo sério e responsável. Um ponto a debater é a representação política de ex-guerrilheiros. Sou a favor de ocuparem cargos caso eleitos, mas acesso à política sem eleição, como acenou o governo, parece errado.