Pai de menino morto quer voltar à Síria
Foto de Aylan Kurdi, filho mais novo de Abdullah, provocou comoção e atraiu atenção para crise dos refugiados
Sírio diz que 'filhos escorregaram' entre seus dedos e afirma querer enterrar corpos da família em Kobani
O sírio Abdullah Kurdi, 40, afirmou só ter um desejo: voltar a seu país para enterrar sua família e ficar ao lado de seus túmulos. Os filhos de Kurdi –Aylan, 3, e Galip, 5– morreram afogados na quarta (2) junto com a mãe, Rihan, quando a família tentava chegar à Grécia.
A foto do corpo do caçula de rosto na areia, banhado pelas ondas na região de Bodrum, Turquia, se espalhou por veículos de mídia e redes sociais criando comoção sobre a crise de refugiados.
"Meus filhos eram as crianças mais maravilhosas do mundo. Eles me acordavam todas as manhãs para brincar", afirmou, no necrotério.
"Apenas quero vê-los pela última vez e ficar com eles para sempre." Kurdi disse não ter intenção de voltar à Europa após o enterro em Kobani, cidade síria na fronteira turca devastada pelos terroristas do Estado Islâmico.
A imagem de Aylan provocou reações das autoridades europeias, que até então debatiam a crise sem anunciar medidas para lidar com ela.
Em entrevista à imprensa turca, Abdullah Kurdi disse que pagou € 2.000 (cerca de R$ 8.400) a traficantes de pessoas para percorrer os três quilômetros do mar Egeu que separam Bodrum da ilha grega de Kos em um bote lotado.
Ele, as crianças e a mulher dividiam o barco com mais 19 pessoas. O pai afirmou ter reclamado da superlotação, mas os traficantes lhe disseram que estava tudo bem.
O mar revolto prejudicava a estabilidade do barco. Intimidado pelas ondas grandes, o capitão pulou no mar e deixou Abdullah no comando. "Assumi o leme e comecei a manobrar. As ondas estavam muito altas, e o barco virou."
Na água, o pai tentou salvar os dois filhos e a mulher, que não sabiam nadar. "Eu segurava a mão da minha mulher. Meus filhos escorregaram entre meus dedos."
Além da família de Abdullah, nove pessoas morreram –seis delas, crianças. Após três horas no mar, ele foi resgatado por policiais turcos com os demais sobreviventes.
CANADÁ
Originária de Kobani, a família Kurdi chegou à Turquia em 2012, um ano depois do início da guerra. Eles queriam ir para o Canadá, onde pediriam asilo e se juntariam à irmã de Abdullah, Tima.
Em entrevista à imprensa canadense em Vancouver, Tima afirmou que planejava obter com as autoridades locais status de refugiados para Abdullah, Rihan e os meninos.
A intenção dela era levá-lo após o Canadá receber outro irmão, Mohammad, que conseguiu chegar com seus quatro filhos à Alemanha.
A família de Abdullah, porém, não chegou à Grécia.
Diante da imagem do corpo de Aylan inerte na areia, a fotógrafa Nilüfer Demir decidiu registrar a cena. "Quando vi Aylan, meu sangue realmente congelou", disse ela.
O retrato ajudou a angariar atenção para a crise humanitária global no momento em que a Europa debate como lidar com o maior fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra (1939-45).
Estima-se que mais de 300 mil pessoas tenham chegado à Europa em 2015, muitas fugindo de conflitos na Síria e no Afeganistão, e outras milhares, de guerras e da pobreza em países da África. Outras 2.600 morreram no caminho, muitas no mar.
A Turquia virou ponto de partida dos sírios, que tentam chegar à Grécia, subir os Bálcãs e alcançar a Alemanha, que estima receber 800 mil pedidos de asilo neste ano.