Reginaldo Prandi
TENDÊNCIAS/DEBATES
A pesquisa de voto e o processo democrático
A publicação de pesquisas durante a campanha amplia a percepção do eleitor e expõe condições das candidaturas. Contribui para a democracia
De barriga de mulher, cabeça de juiz e urna eleitoral, ninguém sabe o que sairá. Isso foi antes do ultrassom, que revela o sexo do feto, e do uso da amostragem probabilística, que hoje fundamenta a pesquisa de intenção de voto. Com os juízes, o mistério continua.
O conhecimento do mundo pelos números, como somos e vivemos, deve muito à pesquisa por amostragem, que permite descrever um universo grande ou hipotético pelo exame de uma parte dele, a amostra.
Embora esse tipo de pesquisa forneça resultados aproximados, pode-se estabelecer previamente o grau de precisão desejado e o nível de confiança depositado nos resultados a obter, escolhas que, entre outros fatores, determinam o tamanho da amostra.
O resultado da pesquisa não é um número, mas um intervalo que conteria o verdadeiro valor que queremos conhecer. O ideal seria trabalhar com intervalos bem estreitos e níveis de confiança muito altos, mas isso implicaria aumentar o tamanho da amostra a ponto de inviabilizar a pesquisa. É o dilema do pesquisador. Mas já há consenso sobre limites e confiabilidade apropriados aos diferentes ramos científicos e tecnológicos.
O intervalo resultante é dado por (p-k) e (p+k), onde "p" é o valor obtido na amostra e "k", o valor arbitrário escolhido para a construção de seus limites (margens de erro). Na pesquisa do voto adota-se para "k" um valor entre 1% e 3%. Também se opta por uma probabilidade de 90% ou 95% de que o intervalo contenha o resultado real que se obteria se toda a população fosse ouvida.
Uma vez que a realidade é mais complicada que os modelos teóricos, os planos amostrais devem se valer de mecanismos capazes de contornar dificuldades práticas. Simulações realizadas no desenho dos planos permitem, por exemplo, substituir operações que retardam a pesquisa por processos mais funcionais.
Os próprios resultados ajudam na avaliação de erros eventuais. Ao longo da campanha, a pesquisa desenha tendências confrontadas com eventos que possam interferir na definição do voto. Resultados são comparados com dados obtidos por pesquisas concorrentes e, finalmente, com as cifras das urnas.
Desde 1982, quando o Datafolha introduziu o uso, depois generalizado, da margem de erro e do nível de confiança na definição da amostra, a tecnologia amostral vem sendo continuamente aprimorada. No primeiro turno das eleições de 2014, o Datafolha, por exemplo, realizou nove levantamentos para a eleição presidencial e 51 para as eleições de governador em oito Estados.
No segundo turno, foram seis levantamentos para a presidencial e 12 para governador em quatro Estados. Indicou corretamente onde haveria segundo turno e apontou vencedores, finalistas e indefinições da sociedade. Os levantamentos foram validados pelas urnas.
A pesquisa pode decepcionar quando os intervalos se sobrepõem, indicando que a diferença entre os números que apontam o vencedor ou aqueles que vão ao segundo turno é insuficiente para uma definição. Também não dá conta de mudanças de última hora, quando o cenário real da eleição se completa e todas as atenções da nação focam um mesmo objetivo --votar--, momento em que o eleitor é impelido a uma opção definitiva.
A ansiedade sofrida pelo Brasil no domingo do segundo turno (26/10), à espera do anúncio da apuração, deveu-se à diferença pequena entre os finalistas confirmada pelas urnas, uma realidade que a pesquisa pôde apenas retratar.
Por outro lado, a publicação de pesquisas ao longo da campanha vai antecipando ao eleitor o clima de eleição. Motiva-o para uma definição do voto, aumenta seu interesse pela política. Pode ampliar sua percepção do jogo partidário, reforçando nele a disposição para a crítica e a militância.
Entre candidatos e partidos, a publicação de pesquisas dá pistas sobre interesses do eleitor, propicia estratégias, expõe condições das candidaturas, inibe o enganoso "já ganhou". Ajuda, sem dúvida, o processo democrático.