Felipe Salto e Rafael Cortez
TENDÊNCIAS/DEBATES
Ajuste fiscal é chave para o crescimento
O desempenho econômico do Brasil não é expressão de uma "herança maldita" do mundo, mas resultado de escolhas domésticas erradas
Em seu novo mandato, a presidente Dilma Rousseff vai precisar restabelecer as bases políticas de uma ordem virtuosa para o crescimento. Superar a crise de confiança que se instalou no país é papel central da presidente reeleita, o que explica a convocação para o "diálogo" que fez no discurso da vitória.
Existe uma tensão crescente entre a atual política industrial e a recuperação desses pilares do crescimento econômico. A política fiscal austera foi a principal vítima da atual gestão macroeconômica. A retomada da racionalidade dos gastos públicos é essencial para criar as bases de um novo círculo virtuoso. Executar essa tarefa, no entanto, não será simples.
Há um alto custo político em realizar mudanças nos gastos sociais, parcela importante do Orçamento (apenas a Previdência representa 7% do PIB em um gasto federal de cerca de 19% do PIB). A busca por igualdade é um tema bastante caro a sociedades que reforçam suas instituições democráticas. Um choque nesse campo geraria instabilidade política e, em boa medida, seria andar na contramão da história.
As desonerações para setores específicos e os programas de concessão de crédito subsidiado pelo BNDES, que ocupam outra fatia importante do gasto total, precisam ser repensados. A consequência da não reversão dessa política industrial --que poucos resultados produziu-- é que a credibilidade continuaria comprometida.
O programa de concessão de crédito ao BNDES, com lastro na emissão de dívida pública pelo Tesouro, a extensão e prorrogação indefinida da desoneração da folha de pagamento e a renovação do Reintegra (estímulo às exportações) são novas doses do medicamento que já se mostrou ineficaz para curar o paciente e cada vez fica mais caro.
A restrição fiscal é relevante. O setor público opera hoje com um superavit primário aquém do necessário para estabilizar a relação dívida/PIB, próximo de 0% do PIB (sem receitas atípicas e dividendos fabricados via triangulação entre o Tesouro e os bancos públicos). O nível necessário é de cerca de 2,5% do PIB.
O gasto social continua a avançar e a ocupar um espaço importante no Orçamento da União, de modo que a contenção de despesas, no curto prazo, é uma tarefa difícil.
Diante disso, haveria necessidade de se limitar o ritmo de expansão das despesas como proporção do PIB, isto é, conter o crescimento, já que cortes vultosos são quase impossíveis a curto prazo. Outro caminho é estancar o avanço da política de avanço acelerado do crédito público com lastro na dívida pública.
O esgarçamento da questão fiscal será um dilema central do segundo mandato de Dilma. A falta de rigor na gestão dos gastos públicos pode prejudicar ainda mais o andamento da atividade, com reflexos em juros, emprego, inflação e financiamento do deficit externo (como já acontece hoje).
O desempenho econômico não é expressão de uma "herança maldita" do mundo, mas resultado de escolhas domésticas erradas. Definir prioridades é tarefa da presidente e, ao que tudo indica, uma mínima reversão da expansão desmedida dos últimos anos deverá ocorrer.